TRF3 restabelece auxílio-doença a dona de casa incapacitada para trabalho como doméstica

Benefício havia sido cessado administrativamente pelo INSS

Decisão da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e manteve sentença que determinou o restabelecimento do auxílio-doença a uma dona de casa. A autora da ação foi afastada da profissão de doméstica por problemas de saúde e apresenta incapacidade para o trabalho habitual.

Para os magistrados, ficou comprovado que a segurada preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício.

Conforme o processo, laudo pericial realizado em março de 2018 atestou que a mulher, atualmente com 53 anos, é portadora de asma crônica e está incapacitada de forma parcial e permanente para o trabalho habitual desde 2002. A autora recebeu auxílio-doença até agosto de 2017, quando a autarquia federal cessou o benefício na esfera administrativa. Com isso, a segurada ingressou com a ação judicial.

Após a Justiça Estadual de Presidente Epitácio/SP, em competência delegada, julgar o pedido procedente, o INSS recorreu ao TRF3, alegando que a concessão foi indevida.

A Sétima Turma julgou o recurso improcedente. Ao analisar o caso, a relatora do acórdão, desembargadora federal Inês Virgínia, explicou que a segurada exerceu a profissão de doméstica até 2001. “Para fins de restabelecimento de benefício, deve ser considerada como habitual a atividade laboral exercida antes da concessão do auxílio-doença, e não a do lar, que retrata a situação da autora no período em que recebeu o benefício por incapacidade e não podia exercer função remunerada”, pontuou.

Perspectiva de gênero 

A magistrada considerou necessário o exame do processo sob perspectiva de gênero. Ela citou a publicação “Julgamento com Perspectiva de Gênero” da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da editora Migalhas, que avalia casos com relações assimétricas de poder ou padrões de gênero estereotipados e integra o princípio da igualdade na interpretação e aplicação do sistema jurídico para o alcance de soluções equitativas.

Neste sentido, destacou que o fato de a segurada se dedicar às tarefas do lar “não pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução de tarefas, independentemente das condições de saúde, pela simples razão de que tais atividades integram a rotina da mulher”.

“O que se quer destacar é que as seguradas donas de casa, como outros segurados, também têm necessidades de afastamentos temporários ou definitivos, em decorrência da maternidade, de acidentes e de enfermidades”, acrescentou.

O recurso ficou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO – CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA – INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL – DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – HONORÁRIOS RECURSAIS – APELO DESPROVIDO – SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.

1. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).

2. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.

3. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 27/03/2018 constatou que a parte autora, doméstica, idade atual de 53 anos, está incapacitada de forma parcial e permanente para o trabalho desde 2002, como se vê do laudo oficial.

4. Não obstante a parte autora, quando da perícia judicial, tenha se declarado do lar, há que se considerar que ela, na verdade, já havia parado de trabalhar em 31/03/2001, quando encerrou o seu último vínculo empregatício como doméstica, tendo recebido posteriormente auxílio-doença, cessado indevidamente em 14/03/2017, beneficio que pretende, nestes autos, ver restabelecido e convertido em aposentadoria por invalidez. Para fins de restabelecimento de benefício, portanto, deve ser considerada como habitual a atividade laboral exercida antes da concessão do auxílio-doença, e não a atividade do lar, que retrata a situação da parte autora no período em que recebeu o benefício por incapacidade e não podia exercer atividade remunerada.

5. Ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436 do CPC/73 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.

6. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que falar em realização de nova perícia judicial. Atendeu, ademais, às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados, e levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos autos.

7. A ideia de que os trabalhos domésticos podem ser feitos por donas de casa que estão incapacitadas para as atividades de trabalho habituais não passa pelo crivo do julgamento sob a perspectiva de gênero, que consiste na “metodologia para analisar a questão do litígio, que deve ser implantada nos casos em que relações de poder assimétrica ou padrões de gênero estereotipados estão envolvidos e requer a integração do princípio da igualdade na interpretação e aplicação do sistema jurídico, na busca de soluções equitativas para situações desiguais de gênero” (Glòria Poyatos Matas, apud em Julgamento com Perspectiva de Gênero. Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves (coord.). Editora Migalhas, 2020, p.19-20).

8. O fato de a segurada ter como atividade habitual a realização de tarefas domésticas (do lar) não pode ser visto como algo prejudicial, a partir da idealização da possibilidade de consecução de tarefas, independentemente das condições de saúde, pela simples razão de que tais atividades integram a rotina da mulher, da dona de casa. O que se quer destacar é que as seguradas donas de casa, como outros segurados, também têm necessidades de afastamentos temporários ou definitivos, em decorrência da maternidade, de acidentes e de enfermidades.

9. A dissociação entre “trabalho” e “atividades domésticas”, com o afastamento e/ou desconsideração destas últimas do campo econômico, é um equívoco e indica um desconhecimento do campo teórico que se convencionou chamar de “economia dos cuidados”, além de indicar um viés de desprestígio e de tratamento não isonômico de uma atividade incorporada legalmente no regime geral de previdência social.

10. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer a sua atividade habitual de forma definitiva, mas pode se dedicar à outra atividade, é possível a concessão do benefício do auxílio-doença com reabilitação profissional, até porque preenchidos os demais requisitos legais.

11. Não tendo mais a parte autora condições de exercer a sua atividade habitual de forma definitiva, deve o INSS submetê-lo a processo de reabilitação profissional, na forma prevista no artigo 62 e parágrafo 1º  da Lei nº 8.213/91.

12. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.

13. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.

14. Confirmada a tutela anteriormente concedida, vez que presentes os seus requisitos – verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício.

15. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei.

16. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, ficando a sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo da execução.

17. Apelo desprovido. Sentença reformada, em parte.

Assim, a Sétima Turma negou provimento à apelação do INSS e manteve o restabelecimento do auxílio-doença a partir de 23/8/2017, data da cessação administrativa.

Apelação Cível 5084761-63.2019.4.03.9999

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