A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afastar a multa de R$ 402 mil imposta pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) a um ex-deputado federal eleito por Alagoas (AL), em razão de desfiliação partidária durante o exercício do mandato.
A decisão teve origem em ação de cobrança ajuizada pelo PRTB, sob a alegação de que o estatuto do partido prevê o pagamento de multa, no valor de 12 vezes o salário, pelo membro que se desligar da sigla no curso de mandato eletivo.
Em sua defesa, o ex-deputado sustentou que a cobrança da multa prevista no estatuto só seria possível se ele tivesse assinado formulário específico, exigido de todos os candidatos, concordando com o pagamento – como estabelece o artigo que define a penalidade.
Por outro lado, o PRTB alegou que a simples filiação ao partido resulta na integral concordância com as regras de seu estatuto, e que a ausência da assinatura no formulário não afasta a incidência da multa – tese acolhida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) ao analisar o caso.
Autonomia dos partidos políticos para estabelecer regras de organização
Em seu voto, o relator do recurso do ex-parlamentar no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que, como preceituam a Constituição Federal e a Lei 9.096/1995, os partidos têm autonomia para definir sua estrutura interna e as regras de organização e funcionamento, devendo o estatuto fixar as normas de disciplina e fidelidade partidária.
“Ressai incontestável a legitimidade da previsão estatutária de incidência de multa por desfiliação partidária no curso do mandato – tal como previsto no artigo 85, X, do Estatuto do PRTB –, como uma medida de desestímulo à infidelidade partidária”, comentou o magistrado.
Entretanto, Bellizze destacou que, conforme se conclui da leitura daquele dispositivo, a assinatura do formulário de concordância é imprescindível para que a multa possa ser cobrada.
Não é possível presumir concordância com a multa
“O atendimento de um pedido consistente no pagamento de verba pecuniária requer a evidência de elementos que admitam um juízo de certeza acerca da existência da obrigação de pagar, possuindo mais consistência, nessa perspectiva, a prova documental”, afirmou o ministro.
Ele salientou que não haveria como acolher prova testemunhal, pois não existe prova oral da concordância do candidato, assim como não poderia haver a presunção de que alguém ratifica uma possível dívida.
“O fato de o artigo 85, X, do Estatuto do PRTB impor a todos os candidatos às eleições gerais a assinatura de um formulário (no qual assentem com o pagamento de multa em caso de desfiliação partidária no curso do mandato) não conduz, inexoravelmente, à conclusão de que todos os candidatos da legenda que tenham participado da disputa eleitoral tenham, de fato, assinado o documento”, ressaltou.
Em interpretação daquele dispositivo estatutário, o ministro asseverou que “é a aquiescência expressa e incontestável do candidato que faz surgir o vínculo obrigacional do pagamento da multa, não decorrendo automaticamente este da filiação e consequente submissão do candidato às regras do estatuto”.
Para o relator, é “descabida a presunção de que o candidato tenha anuído ao pagamento da multa partidária objeto da lide em apreço, tão somente em virtude da sua participação nas eleições gerais”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. MULTA POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA NO CURSO DO MANDATO. SANÇÃO PREVISTA NO ESTATUTO DO PARTIDO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL AO ACOLHIMENTO DO PEDIDO. PROVA POR PRESUNÇÃO. DESCABIMENTO. VÍNCULO OBRIGACIONAL QUE SURGE COM A CONCORDÂNCIA INEQUÍVOCA DO CANDIDATO, NA HIPÓTESE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.1. O propósito recursal consiste em definir se o documento assinado pelo candidato a cargo eletivo contendo autorização de concordância com o pagamento da multa por desfiliação partidária prevista no art. 85, X, do Estatuto do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB é documento essencial ao acolhimento do pedido de cobrança dessa penalidade.2. Do teor do art. 85, X, do Estatuto do PRTB extrai-se que a penalidade pecuniária consistente no pagamento de valor correspondente a 12 (doze) meses do salário do candidato eleito possui dois requisitos, a saber: i) a aquiescência expressa do candidato com a cobrança da penalidade, mediante a assinatura do mencionado formulário; e ii) a sua desfiliação do partido no curso do respectivo mandato.4. Segundo a exegese desse dispositivo estatutário, é da concordância incontestável do candidato a mandato eletivo que surge o vínculo obrigacional do pagamento da penalidade, não decorrendo automaticamente da filiação e da consequente submissão do candidato às regras do estatuto.5. Nesse contexto, afigura-se imprescindível ao acolhimento do pedido de cobrança em voga a prova incontestável da anuência com o pagamento da multa pelo candidato a mandato eletivo (que, na hipótese, foi eleito para o cargo de deputado federal e se desfiliou da agremiação no curso do seu mandato), revelando-se descabida a presunção de prova nesse sentido.6. Portanto, estando ausente a prova inequívoca do direito alegado pelo partido político de incidência da multa por desfiliação partidária estabelecida no art. 85, X, do Estatuto do PRTB, de rigor a improcedência da tutela condenatória requerida pelo autor, em observância ao disposto nos arts. 373, I, e 434 do CPC⁄2015.7. Recurso especial conhecido e provido.
Leia o acórdão do REsp 1.796.737.