Mudança do acórdão recorrido na fase de retratação não exige novo recurso especial, decide Terceira Turma

Se o tribunal de origem, na fase de retratação, mantiver o acórdão recorrido, porém com o acréscimo de algum fundamento, não será necessária a interposição de um segundo recurso especial, mas deverá ser assegurado à parte o direito de complementar as razões recursais para a impugnação do novo fundamento.

Essa foi a conclusão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar dois recursos apresentados por uma operadora de plano de saúde condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) a pagar indenização por não ter fornecido um medicamento importado para tratamento de câncer.

Para a corte local, a falta de registro do medicamento na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não isentaria a operadora da obrigação de fornecê-lo, desde que prescrito pelo médico, até porque a própria agência reguladora, no caso de fármacos não registrados, autoriza a importação em situações excepcionais.

No primeiro recurso especial, a operadora insistiu em que não estaria obrigada a fornecer o medicamento, pelo fato não haver registro e porque o contrato excluía fármacos importados.

Após o julgamento do Tema 990 dos recursos repetitivos, no qual o STJ definiu que os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicação sem registro na Anvisa, o órgão julgador do TJRJ, na fase de retratação prevista pelo artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), manteve a condenação da operadora, porém alterou seus fundamentos. Segundo o TJRJ, o princípio ativo do medicamento pleiteado possui registro na Anvisa, de maneira que o julgamento não estaria em desacordo com o Tema 990.

Plano de saúde interpôs segundo recurso especial

Relator no STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino observou que, diante do novo fundamento do acórdão, a operadora interpôs um segundo recurso especial – o qual, diversamente do primeiro, não foi admitido pelo tribunal estadual.

Sobre a existência de dois recursos, o magistrado explicou que não há obrigatoriedade de interposição de um segundo recurso contra o acórdão proferido na fase de juízo de retratação, mesmo havendo o acréscimo de fundamentos, pois a remessa dos autos ao tribunal superior se dá por força de lei, conforme o artigo 1.041, caput, do CPC.

Embora a parte não precise entrar com outro recurso, apontou o ministro, não se pode negar a ela a oportunidade de impugnar eventuais fundamentos surgidos na fase de retratação, como ocorreu no caso.

“Para atender a essa exigência processual de nova impugnação, torna-se necessário admitir que o recorrente complemente as razões recursais, com o fim exclusivo de impugnar os novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido”, declarou Sanseverino.

No caso dos autos, o magistrado entendeu que, embora tenha sido apresentado o segundo recurso, sem necessidade, a instrumentalidade das formas recomenda conhecer da petição recursal como mero aditamento ao recurso especial.

Desnecessária a interposição de agravo contra inadmissão do segundo recurso

Sobre a inadmissão do segundo recurso – que não foi impugnada por agravo –, Sanseverino afirmou que ele “é mero aditamento ao primeiro, de modo que a admissibilidade do primeiro recurso é suficiente para a subida de ambos a esta corte superior, por força da Súmula 528 do Supremo Tribunal Federal (STF)” – aplicada por analogia no STJ.

Superadas as questões processuais, o ministro não conheceu do recurso especial porque o plano de saúde, a despeito de haver complementado as razões recursais, não impugnou especificamente o novo fundamento do TJRJ.

“Trata-se de fundamentação por si só suficiente para se manter incólume o acórdão recorrido, fazendo-se incidir, portanto, o óbice da Súmula 283 do STF“, concluiu o relator.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EN. 3/STJ, PLANO DE SAÚDE. CONDENAÇÃO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO IMPORTADO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NA FASE DO ART. 1.040, INCISO II, DO CPC/2015. AGREGAÇÃO DE FUNDAMENTO NOVO REFERENTE AO REGISTRO ANTERIOR DO PRINCÍPIO ATIVO NA ANVISA. DISTINÇÃO QUANTO AO TEMA 990/STJ. INTERPOSIÇÃO DE UM SEGUNDO RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. CONHECIMENTO COMO ADITAMENTO ÀS RAZÕES DO PRIMEIRO RECURSO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIEDADE. DOUTRINA ESPECÍFICA SOBRE ESSA QUESTÃO PROCESSUAL. INADMISSIBILIDADE DO SEGUNDO RECURSO. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO EM CONJUNTO DO PRIMEIRO RECURSO COMO PRINCIPAL E DO SEGUNDO COMO ADITAMENTO. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO CONTRA A DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 528/STF. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AO NOVO FUNDAMENTO AGREGADO AO ACÓRDÃO RECORRIDO. ÓBICE DA SÚMULA 283/STF.

  1. Controvérsia acerca das seguintes questões processuais: (a) cabimento da interposição de um segundo recurso especial após a fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, em caso de negativa de retratação pelo Tribunal de origem, com agregação de novos fundamentos ao acórdão recorrido; e (b) consequência processual da inadmissão desse segundo recurso e admissão do primeiro, não tendo havido interposição de agravo em recurso especial.

  2. Nos termos do art. 1.041 do CPC/2015, “mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior […]”.

  3. Desnecessidade de interposição de um segundo recurso especial na hipótese de não retratação do acórdão recorrido, devendo o recurso já interposto ascender a esta Corte Superior ‘ex vi legis’.

  4. Possibilidade, contudo, de complementação das razões do recurso especial, com o fim exclusivo de impugnar eventuais novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido. Doutrina sobre o princípio da complementariedade recursal.

  5. Conhecimento do segundo recurso especial como aditamento às razões do primeiro recurso.

  6. Nos termos da Súmula 528/STF: “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal ‘a quo’, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo supremo tribunal federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento”.

  7. Aplicação da referida súmula ao caso concreto para se conhecer do primeiro recurso e de seu aditamento, não obstante a inadmissibilidade do segundo recurso especial pelo Tribunal de origem e não obstante a ausência de interposição de agravo contra essa decisão.

  8. Ausência de impugnação específica ao fundamento da existência de registro do princípio ativo do medicamento na ANVISA, fundamento por si só suficiente para se manter o acórdão recorrido.

  9. Aplicação do óbice da Súmula 283/STF ao recurso especial.

  10. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO

Leia o acórdão no REsp 1.946.242.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1946242

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