Supremo barra exigência de justificativa de ausência para isenção de taxa no Enem 2021

O Plenário entendeu que, em razão da pandemia, a exigência é ilegítima e irrazoável. O prazo para requerer a isenção será reaberto.

Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que seja reaberto o prazo para o requerimento de isenção da taxa de inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 para estudantes de baixa renda, sem que seja necessário justificar a ausência no exame de 2020. O colegiado entendeu que, em razão da pandemia da Covid-19, as provas do ano passado foram aplicadas em um contexto de anormalidade, e a exigência de comprovação documental para os ausentes viola diversos preceitos fundamentais, entre eles o do acesso à educação e o de erradicação da pobreza.

A medida cautelar foi deferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 874, julgada na sessão virtual extraordinária do Plenário encerrada às 23h59 desta sexta-feira (3). A sessão foi convocada pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, a pedido do relator da ação, ministro Dias Toffoli, diante da proximidade das provas do Enem 2021, marcadas para 21 e 28/11.

Acesso à educação

Os autores da ação são o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Rede Sustentabilidade, o Partido Verde (PV), o Cidadania, o Solidariedade e as entidades de classe Educafro, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e União Nacional dos Estudantes (UNE). Eles argumentam que, ao ignorar o contexto pandêmico, o edital retirou dos estudantes necessitados da isenção da taxa o direito fundamental de acesso à educação.

Obstáculo injustificado

Em voto pelo deferimento da medida cautelar, o ministro Dias Toffoli afirmou que a exigência criou um obstáculo injustificado para a isenção da taxa e uma barreira à participação de candidatos de baixa renda, impedindo-os de se beneficiar dos programas do governo federal de democratização do acesso às universidades. Ele destacou que a exigência reduziu em 77,5% o número de candidatos com carência aprovada, em relação a 2020.

Segundo o relator, a exigência do edital tem o potencial de gerar retrocesso nos avanços já alcançados no sentido da inclusão social e da promoção da diversidade no ensino superior, por deixar de fora justamente os estudantes pertencentes aos grupos sociais historicamente excluídos – a população de baixa renda, os negros, os pardos e os indígenas. Ele considera que esse ato é contrário aos objetivos da República Federativa do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Recomendações sanitárias

O ministro observou que a exigência de justificação de falta para a obtenção de nova isenção, que já constou de outros editais, foi suprimida em 2020 exatamente em função do quadro de excepcionalidade causado pela pandemia. Para o relator, inúmeros motivos podem ter levado à ausência de estudantes à prova de 2020, como o receio de contaminação individual ou de terceiros, e, tendo em vista as recomendações das autoridades sanitárias, muitos estudantes optaram por evitar aglomerações.

Toffoli destacou que foram registrados diversos problemas na aplicação das provas do Enem 2020, que demandaram a adaptação dos procedimentos e das estruturas de realização. Ainda assim, conforme noticiado pela imprensa e relatado pelos próprios estudantes, candidatos foram barrados momentos antes do início da prova porque a lotação das salas havia ultrapassado 50% da sua capacidade.

Abstenção recorde

O ministro salientou que, em 2020, o Enem registrou recorde de abstenção: 51,5%, no primeiro dia e 55,3% no segundo. Ele lembrou ainda que, embora o MEC tenha possibilitado a realização das provas em 23 e 24 de fevereiro aos candidatos que enfrentaram problemas logísticos, a segunda aplicação apresentou índice de abstenção ainda maior. “Nesse quadro, não se justifica exigir que os candidatos de baixa renda que optaram por não comparecer à prova, por temor ou insegurança quanto ao nível de exposição da própria saúde ou de outrem, ou por qualquer outro motivo relacionado ao contexto de anormalidade em que aplicadas as provas, comprovem o motivo da sua ausência, por se tratar de circunstâncias que não comportam qualquer tipo de comprovação documental”, destacou.

Toffoli afirmou que a exigência de apresentação de documentos penaliza os estudantes que fizeram a “difícil escolha” de faltar às provas para atender às recomendações das autoridades sanitárias. Para o ministro, a obrigação imposta pelo edital “desprestigia as políticas estatais de incentivo à observância de tais recomendações sanitárias, contrariando o dever de proteção da saúde pública”.

O recurso ficou assim ementado:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida Cautelar. Itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação. Exame Nacional do Ensino Médio. Isenção do pagamento da taxa de inscrição. Justificativa de ausência no ENEM 2020. Subsidiariedade. Cabimento da arguição. Direito à educação e garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino. Descumprimento. Medida cautelar deferida. 1. A relevância e a abrangência da controvérsia, bem como sua urgência, demandam a utilização da ADPF, único mecanismo judicial capaz de sanar a lesividade alegada de forma ampla, geral e imediata (ADPF nº 33/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 7/12/05). 2. Os itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação condicionam a obtenção de isenção da taxa de inscrição no ENEM 2021 por quem obteve essa isenção em 2020 e faltou às provas à justificativa da ausência mediante a apresentação de algum dos documentos previstos no Anexo I do edital. 3. Nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021, quando foram aplicadas as provas do ENEM 2020, o Brasil passava pela segunda onda da pandemia da Covid-19, caracterizada por um cenário preocupante de contaminações, com elevadas médias diárias de novos casos e de óbitos. A esse contexto somaram-se os diversos problemas logísticos observados na aplicação das provas, o que resultou em taxas recordes de abstenção. 4. A norma questionada criou um óbice injustificado ao alcance da isenção da taxa de inscrição no ENEM 2021, visto que a ausência à prova anterior por temor quanto ao nível de exposição da própria saúde ou de outrem, ou por qualquer outro motivo relacionado ao contexto de anormalidade em que foram aplicadas as provas do ENEM 2020, são circunstâncias que não comportam qualquer tipo de comprovação documental, redundando tal comprovação em uma barreira à própria participação de candidatos de baixa renda no exame nacional. 5. O direito à educação (art. 6º, caput, e art. 205) compreende o acesso ao ensino superior, expressamente contemplado na Constituição de 1988, na qual se fixou que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino (art. 208, inciso V). Por meio do amplo acesso ao ensino superior, se implementa a igualdade de oportunidades políticas, sociais e econômicas, a inclusão social e a promoção da diversidade. 6. O Supremo Tribunal Federal, em mais de um julgado, validou políticas públicas voltadas a ampliar o acesso ao ensino superior, chancelando uma concepção de direito à educação superior cuja efetividade pressupõe medidas destinadas a corrigir os desníveis de oportunidades historicamente impostos a determinados grupos sociais e étnico-raciais, com vista à concretização da igualdade substancial. Precedentes: ADPF nº 186, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 20/10/14 (Reserva de vagas nas universidades públicas com base no critério étnico-racial); e ADI nº 3.330, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe de 22/3/13 (Prouni). 7. Os itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação subvertem esse arcabouço normativo-constitucional ao criarem óbice injustificado à inscrição para o ENEM 2021 pela população de baixa renda, inviabilizando, com isso, o acesso dessas pessoas aos programas federais voltados à democratização do acesso às universidades, quais sejam, o Programa Universidade Para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). 8. O ato questionado tem potencial de gerar retrocesso nos avanços alcançados no sentido da inclusão social e da promoção da diversidade no ensino superior, por deixar de fora estudantes pertencentes aos grupos sociais historicamente excluídos desse nível de ensino – população de baixa renda, negros, pardos e indígenas –, o que vai na contramão dos objetivos da República Federativa do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos III e IV). 9. Medida cautelar concedida para se determinar a reabertura do prazo de requerimento de isenção de pagamento de taxa para inscrição no ENEM 2021 sem exigência de justificativa para o não comparecimento ao ENEM 2020, de quaisquer candidatos – nos termos do que já havia sido previsto no item 1.4.1 do Edital nº 55/2020 (digital) e do Edital nº 54 (impresso), de 28 de julho de 2020 –, devendo ser concedida a referida isenção aos estudantes que comprovarem a subsunção de seu caso em uma das hipóteses do item 2.6 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação.

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