“Os servidores efetivados pelo Estado de Minas Gerais submetidos ao regime estatutário, por meio de dispositivo da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais 100/2007, declarado posteriormente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.876, têm direito aos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) referentes ao período irregular de serviço prestado”.
Essa foi a tese firmada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de dois recursos especiais repetitivos do Tema 1.020.
Por unanimidade, o colegiado entendeu que o fato de ter sido mantido o vínculo estatutário do servidor por determinado período não exclui o direito ao depósito do FGTS, já que, uma vez declarado nulo o ato incompatível com a ordem constitucional, também é nulo o contrato firmado com o ente federativo.
Controvérsia
Em um dos recursos analisados como representativos da controvérsia pelo STJ, a recorrente apontou violação ao artigo 19-A da Lei 8.036/1990, sustentando que, em decorrência da declaração parcial de inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual 100/2007, é garantido o direito ao depósito do FGTS a quem teve seu contrato de trabalho ou vínculo declarado nulo por descumprimento da exigência de concurso para ingresso no serviço público.
Ela defendeu ainda que o fato gerador do direito buscado não guarda relação com o regime jurídico sob o qual vigorou o contrato irregular, e sim com a nulidade do vínculo declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito erga omnes.
Repercussão geral
Segundo o relator, ministro Gurgel de Faria, no julgamento do RE 596478, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o STF declarou a constitucionalidade do artigo 19-A da Lei 8.036/1990, garantindo o direito ao depósito de FGTS aos empregados admitidos sem concurso público por meio de contrato nulo.
O ministro acrescentou que, também sob a sistemática da repercussão geral, o STF firmou a seguinte tese no RE 705140: “A Constituição de 1988 comina de nulidade as contratações de pessoal pela administração pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público (CF, artigo 37, parágrafo 2º), não gerando, essas contratações, quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos empregados contratados, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do artigo 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”.
“A jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de ser devido o depósito do FGTS ao empregado que teve reconhecida a nulidade de sua contratação pelo poder público sem a realização de certame, desde que devidos os salários pelos serviços prestados”, declarou Gurgel de Faria.
O ministro destacou ainda que, em outro julgamento (ADI 4876), o STF declarou a inconstitucionalidade dos incisos I, II, IV e V do artigo 7º da LCE 100/2007, sob o fundamento de que essa lei tornou titulares de cargo efetivo servidores que ingressaram na administração pública sem concurso.
Efeitos
De acordo com o relator, a jurisprudência do STJ entende que o efeito prospectivo de parte da decisão proferida na ADI 4.876, para definir que a sua eficácia só começasse a surtir efeito a partir daquele momento específico (dezembro de 2015), nos termos do artigo 27 da Lei 9.868/1999, não retirou o caráter retroativo da decisão (ex tunc), tendo apenas postergado a incidência desse efeito em razão da necessidade de continuidade do serviço público e do grande volume de servidores envolvidos (REsp 1.729.648).
“O efeito da declaração de inconstitucionalidade proferida na ADI 4.876 retroagiu desde o nascimento da LCE 100/2007, tornando nulo o provimento de cargo efetivo e, em consequência, nulo o vínculo com o ente federativo firmado com nítido caráter de definitividade, em desrespeito ao preceito estampado no artigo 37, II, da CF/1988”, afirmou.
Para Gurgel de Faria, a modulação dos efeitos prospectivos da declaração de inconstitucionalidade não afasta o regramento previsto no artigo 19-A da Lei 8.036/1990, porque teve apenas a finalidade de evitar eventual prejuízo à prestação de serviços essenciais à sociedade mineira.
“Diante disso, é irrelevante, para a aplicação do artigo 19-A da Lei 8.036/1990, o fato de o servidor ter sido submetido ao regime estatutário. O que é fundamental é que tenha sido declarada a nulidade da efetivação para os quadros do estado mineiro, já que não foi observado o artigo 37, II, da CF/1988”, concluiu.
Direito ao FGTS
Para o relator, a dispensa de servidor efetivado na forma da LCE 100/2007 – independentemente da natureza do vínculo admitido pelo Estado de Minas Gerais, que veio posteriormente a ser declarado inconstitucional pelo STF – gera direito à percepção do FGTS pelo período de vinculação irregular, uma vez que os efeitos dessa declaração alcançam todo o período regido pela lei complementar, ou seja, desde o nascimento do ato normativo declarado inconstitucional.
Ao dar provimento ao recurso especial, o colegiado determinou o depósito dos valores relativos ao FGTS na conta vinculada da parte recorrente, correspondentes ao período irregular de trabalho prestado.
O recurso REsp 1806086 ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ESTADO DE MINAS GERAIS. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 100⁄2007. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. EFEITO EX TUNC. NULIDADE DO VÍNCULO. FGTS. DIREITO.1. No julgamento do RE 596.478⁄RR, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o STF declarou a constitucionalidade do art. 19-A da Lei n. 8.036⁄1990, garantindo o direito ao depósito de FGTS aos empregados admitidos sem concurso público por meio de contrato nulo.2. Também sob a sistemática da repercussão geral, a Suprema Corte, (RE 705.140⁄RS), firmou a seguinte tese: “A Constituição de 1988 comina de nulidade as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público (CF, art. 37, § 2º), não gerando, essas contratações, quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos empregados contratados, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036⁄90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS”.3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.876⁄DF, declarou a inconstitucionalidade dos incisos I, II, IV e V, do art. 7º, da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais n. 100⁄2007, sob o fundamento de que o referido diploma legal tornou titulares de cargo efetivo servidores que ingressaram na administração pública sem a observância do preceito do art. 37, II, da CF⁄1988.4. O efeito prospectivo de parte da decisão proferida no julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade – definindo que a sua eficácia só começaria a surtir efeitos a partir de doze meses, contados da data da publicação da ata daquele julgamento – não retirou o caráter retroativo do julgado (ex tunc), tendo apenas postergado a incidência desse efeito em razão da necessidade de continuidade do serviço público e do grande volume de servidores envolvidos. Precedentes do STJ.5. A nulidade da efetivação dos servidores em cargo público alcançou todo o período regido pelos dispositivos declarados inconstitucionais, pois tal declaração de inconstitucionalidade, ao tornar nulo o provimento indevido em cargo efetivo, ensejou a nulidade da relação contratual jurídica-administrativa.6. O fato de ter sido mantido o vínculo estatutário do servidor com o Estado de Minas Gerais por determinado período não exclui o direito ao depósito do FGTS, já que, uma vez declarado nulo o ato incompatível com a ordem constitucional, nulo está o contrato firmado com o ente federativo.7. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC⁄2015, firma-se a seguinte tese: “Os servidores efetivados pelo Estado de Minas Gerais submetidos ao regime estatutário, por meio de dispositivo da LCE n. 100⁄2007, declarado posteriormente inconstitucional pelo STF na ADI 4.876⁄DF, têm direito aos depósitos no FGTS referentes ao período irregular de serviço prestado.”8. Hipótese em que o acórdão impugnado se encontra em dissonância com o entendimento ora estabelecido, merecendo amparo a pretensão formulada, com o reconhecimento do direito ao depósito dos valores relativos ao FGTS na conta vinculada da parte recorrente.9. Recurso Especial provido.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ESTADO DE MINAS GERAIS. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 100⁄2007. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. EFEITO EX TUNC. NULIDADE DO VÍNCULO. FGTS. DIREITO.1. No julgamento do RE 596.478⁄RR, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o STF declarou a constitucionalidade do art. 19-A da Lei n. 8.036⁄1990, garantindo o direito ao depósito de FGTS aos empregados admitidos sem concurso público por meio de contrato nulo.2. Também sob a sistemática da repercussão geral, a Suprema Corte, (RE 705.140⁄RS), firmou a seguinte tese: “A Constituição de 1988 comina de nulidade as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público (CF, art. 37, § 2º), não gerando, essas contratações, quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos empregados contratados, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036⁄90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS”.3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.876⁄DF, declarou a inconstitucionalidade dos incisos I, II, IV e V, do art. 7º, da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais n. 100⁄2007, sob o fundamento de que o referido diploma legal tornou titulares de cargo efetivo servidores que ingressaram na administração pública sem a observância do preceito do art. 37, II, da CF⁄1988.4. O efeito prospectivo de parte da decisão proferida no julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade – definindo que a sua eficácia só começaria a surtir efeitos a partir de doze meses, contados da data da publicação da ata daquele julgamento – não retirou o caráter retroativo do julgado (ex tunc), tendo apenas postergado a incidência desse efeito em razão da necessidade de continuidade do serviço público e do grande volume de servidores envolvidos. Precedentes do STJ.5. A nulidade da efetivação dos servidores em cargo público alcançou todo o período regido pelos dispositivos declarados inconstitucionais, pois tal declaração de inconstitucionalidade, ao tornar nulo o provimento indevido em cargo efetivo, ensejou a nulidade da relação contratual jurídica-administrativa.6. O fato de ter sido mantido o vínculo estatutário do servidor com o Estado de Minas Gerais por determinado período não exclui o direito ao depósito do FGTS, já que, uma vez declarado nulo o ato incompatível com a ordem constitucional, nulo está o contrato firmado com o ente federativo.7. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC⁄2015, firma-se a seguinte tese: “Os servidores efetivados pelo Estado de Minas Gerais submetidos ao regime estatutário, por meio de dispositivo da LCE n. 100⁄2007, declarado posteriormente inconstitucional pelo STF na ADI 4.876⁄DF, têm direito aos depósitos no FGTS referentes ao período irregular de serviço prestado.”8. Hipótese em que o acórdão impugnado se encontra em dissonância com o entendimento ora estabelecido, merecendo amparo a pretensão formulada, com o reconhecimento do direito ao depósito dos valores relativos ao FGTS na conta vinculada da parte recorrente.