Por entender caracterizada a fraude à execução, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou suficiente a decisão interlocutória proferida nos autos de cumprimento de sentença para declarar a ineficácia, em relação ao credor, de um acordo homologado judicialmente. Para o colegiado, nessas hipóteses, é prescindível a propositura de ação anulatória autônoma.
Os ministros mantiveram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, em ação de despejo, deu provimento ao recurso do proprietário do imóvel para considerar ineficaz o acordo pelo qual o devedor, antigo locatário, transferiu à ex-esposa dois quadros que haviam sido requeridos para o pagamento da dívida locatícia.
O devedor alegou que a transferência dos quadros se deu em razão de acordo homologado judicialmente pela vara de família, em ação de alimentos. Contudo, por verificar fraude, e considerando que o devedor não tinha outros bens, o tribunal paulista acolheu o pedido do credor.
Atentado contra a função jurisdicional do Estado
O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o artigo 966, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que o cabimento da ação anulatória está restrito ao reconhecimento de vícios de ato das partes ou de outros participantes do processo; não se trata, portanto, de desconstituir a sentença, que é apenas homologatória do acordo.
Para o ministro, no caso em julgamento, não se pretendia a declaração de invalidade do acordo e da decisão homologatória – o que exigiria a propositura da ação anulatória –, mas sim o reconhecimento de que o acordo não surtirá efeitos em relação ao credor, em razão da fraude à execução – a qual, além de gerar prejuízos ao credor, atenta contra a função do Estado-juiz, pois leva um processo já instaurado à inutilidade.
Ao contrário da fraude contra credores – acrescentou–, não é necessária a propositura de ação específica para o reconhecimento da fraude à execução, sendo suficiente o protocolo de mera petição, salvo nos casos de alienação judicial do bem.
Marco Aurélio Bellizze destacou que o parágrafo 1º do artigo 792 do CPC prevê que “a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente”. Nas palavras do ministro, isso quer dizer que não se anula o negócio jurídico que configurou o ato fraudulento, mas apenas se declara a sua ineficácia em relação ao credor prejudicado.
Flagrante má-fé na transferência dos bens
O magistrado ressaltou que o STJ, preocupado em proteger o terceiro de boa-fé, estabeleceu em sua jurisprudência que o reconhecimento da fraude à execução exige o registro da penhora do bem alienado ou a demonstração de má-fé do terceiro adquirente.
No caso em exame, Bellizze considerou flagrante a má-fé por trás do acordo entre o devedor e sua ex-esposa, que foi homologado pouco mais de um mês após a Justiça reconhecer a dívida de aluguel e que, segundo o TJSP, envolveu a transferência de bens móveis por valores abaixo dos de mercado.
“Não pode o Poder Judiciário subscrever um ato manifestamente fraudulento e impor ao exequente lesado o tormento de ajuizar uma nova ação para se reconhecer a ineficácia do ato”, declarou o relator.
Leia o acórdão no REsp 1.845.558.