Reconhecida competência da JT para julgar ação de filha de mecânico autônomo falecido em acidente do trabalho

Os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG decidiram, por unanimidade, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações com pedido indenização decorrente de acidente do trabalho sofrido por profissional autônomo, ainda que a ação tenha sido ajuizada por dependentes ou herdeiros do trabalhador falecido.

Com esse entendimento, expresso no voto da juíza convocada Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, foi dado provimento ao recurso da filha de um mecânico autônomo, que ingressou com ação trabalhista contra a empresa, após perder o pai em razão de acidente de trabalho.

O profissional realizava a manutenção no sistema de freios de um veículo de carga nas dependências da empresa, quando foi vítima do acidente que resultou no seu falecimento. Sentença oriunda da Vara do Trabalho de Santa Luzia declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgamento da ação e extinguiu o processo, sem analisar a questão central, por se tratar de trabalhador autônomo.

Mas, com base no artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, e na jurisprudência consolidada na Súmula 392 do TST, os julgadores modificaram a sentença, para reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento e determinar o retorno do processo à Vara de origem para o exame dos pedidos quanto ao mérito, como se entender de direito. Segundo pontuou a relatora, a existência de uma relação de trabalho é suficiente para atrair a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do caso, independentemente de haver, ou não, vínculo de emprego, ou mesmo de pedido nesse sentido.

Entenda o caso

Constou da sentença recorrida que existia entre as partes um contrato de natureza civil e não trabalhista, tendo em vista que a prova, principalmente testemunhal, evidenciou que o falecido era profissional autônomo, que prestava serviços de mecânica à empresa de forma eventual. Contribuiu para o entendimento adotado na sentença o fato de não ter havido pedido de reconhecimento de vínculo de emprego ou de recebimento de verbas trabalhistas. Na conclusão do juízo de primeiro grau, existiu entre o trabalhador e a empresa relação contratual regida pela legislação civil, caracterizada pela autonomia ou eventualidade na prestação de serviços, não cabendo à Justiça do Trabalho processar e julgar a ação, por incompetência material absoluta.

Relação de trabalho, gênero em que se enquadra a espécie relação de emprego

Mas, de acordo com a relatora, apesar do entendimento adotado na sentença, a configuração ou não do vínculo de emprego entre o acidentado e a empresa não afasta a competência da Justiça do Trabalho, conforme a interpretação consagrada na Súmula 392 do TST, segundo a qual:

“DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO . Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido”.

A relatora ressaltou que a súmula é clara ao se referir à “relação de trabalho” e não à “relação de emprego”, sendo esta última espécie da qual a primeira é gênero. “Isso porque a relação de trabalho é bem mais ampla do que a relação de emprego, designando as múltiplas relações jurídicas cujo objeto seja o trabalho humano autônomo”, destacou.

A juíza convocada ainda registrou que o inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal, ao dispor sobre a competência da Justiça do Trabalho, também adota a expressão “relação de trabalho”, o que afasta qualquer dúvida que poderia existir sobre a competência da Justiça do Trabalho para analisar casos envolvendo a prestação de serviços por parte de profissionais autônomos.

Indenizações por danos morais e materiais

Por determinação dos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, o processo retornou à Vara do Trabalho de Santa Luzia, onde a juíza de primeiro grau ouviu os depoimentos das testemunhas e analisou as demais provas produzidas.

Conforme apurou a magistrada, o mecânico faleceu em decorrência de acidente de trabalho no pátio da empresa.  Ele realizava a manutenção no sistema de freios do caminhão e estava embaixo do veículo, enquanto o empregado da empresa operava uma máquina de 12 toneladas chamada perfuratriz, acoplada ao caminhão. Em seguida, o empregado da empresa recolheu as patolas de travamento e o veículo desceu e passou por cima da vítima. A filha do mecânico autônomo falecido pretendia a condenação da empresa ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais, bem como pensão mensal.

Entretanto, após analisar o conjunto de provas, o juízo de primeiro grau julgou os pedidos improcedentes, por entender que o trabalhador falecido agiu com independência funcional. Com base nesse entendimento, o juízo de primeiro grau concluiu que não ficou provada a responsabilidade da empresa pelo acidente de trabalho que resultou na morte do trabalhador. Inconformada, a filha do mecânico recorreu da sentença pela segunda vez. Na análise do segundo recurso, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG condenaram a empresa ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 100 mil, além do pagamento de indenização por danos materiais, na forma de dano material emergente (aquilo que a vítima perdeu), no valor de R$ 2.502,22.

“A Constituição da República, em seu artigo 7º, XXII, determina que é direito de todos os trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho através das normas de segurança, saúde e higiene. Neste norte, reconhece-se que o dever de zelar pela segurança do trabalhador não decorre da subordinação jurídica ou de qualquer outro elemento caracterizador da relação de emprego. O dever de zelar pela segurança e saúde do trabalhador é imposto a todo aquele que goza dos benefícios do trabalho alheio, a par da falta de ingerência na prestação dos serviços, ante a forma da contratação efetuada”, finalizou a relatora. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.

O recurso ficou assim ementado:

ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CULPABILIDADE PATRONAL CONFIGURADA. A responsabilidade do empregador em indenizar o empregado por danos provenientes de acidente de trabalho ou doença ocupacional, quando incorrer em dolo ou culpa, consoante o disposto no artigo 7º, inciso XXVIII, da CRFB/88 (mesmo nas hipóteses, de concausa, art. 21, I, Lei 8.212/91), emerge do dever legal de conduta de evitar a ocorrência de tais infortúnios, pela observância das regras previstas no ordenamento jurídico vigente que tratam da espécie, referentes à saúde, higiene e segurança do trabalho (v.g. art. 157, CLT; art. 19, §1º, Lei 8.213/91 e Normas Regulamentadoras do MTE), elevadas a nível constitucional (art. 7º, XXII), mormente, considerando os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa (arts. art. 1º, III e IV, 5º V e X, XXII e XXIII e 170, caput, e incisos II, III e VIII, CRFB/88).

  • PJe: 0012246-69.2016.5.03.0095

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