A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o pagamento em dobro das despesas recursais afasta a deserção, mesmo que o recolhimento do primeiro preparo não tenha sido comprovado de forma adequada no ato de interposição do recurso. O entendimento foi aplicado para reverter decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que negou seguimento a uma apelação por deserção, com base na ausência de comprovação do preparo recursal.
De acordo com a Terceira Turma, a decisão da corte de segunda instância foi inadequada por considerar que o artigo 1.007, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC) se aplicaria apenas no caso de não haver comprovação alguma do preparo. Na situação analisada, entretanto, o recolhimento foi atestado, mas de maneira errada.
Ao julgar a apelação deserta, o TJMG apontou que o apelante juntou apenas cópia do comprovante de pagamento; intimado para apresentar a via original do comprovante, em vez de exibir o documento, fez um novo pagamento, dessa vez em dobro.
No recurso especial submetido ao STJ, a defesa alegou uma série de violações ao CPC – entre elas, de normas atinentes ao preparo e do disposto no artigo 932, parágrafo único.
Cópia da guia de pagamento pode comprovar recolhimento do preparo
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, não há necessidade de apresentação do comprovante original de pagamento do preparo. Ela lembrou que o código processual se limita a impor o dever de comprovar o recolhimento e que o princípio da instrumentalidade das formas valida atos que, mesmo praticados de maneira diversa da prescrita, alcançam a sua finalidade precípua.
“Nessa linha de raciocínio, a cópia da guia de pagamento constitui meio idôneo à comprovação do recolhimento do preparo, afastando a deserção, desde que preenchida com todos os dados indispensáveis à sua vinculação ao processo”, fundamentou a relatora.
A magistrada comentou o fato de que o comprovante juntado no ato de interposição do recurso, além de ser uma cópia, não se referia à guia de recolhimento respectiva. Porém, conforme destacou, “em nenhum momento o recorrente questionou tal constatação, optando, logo após ter sido intimado, por recolher em dobro o preparo e requerendo o conhecimento da apelação“.
Comprovação equivocada também significa ausência de pagamento do preparo
Nancy Andrighi explicou que o CPC prevê duas hipóteses de irregularidade no preparo recursal: quando o valor recolhido é insuficiente, caso em que o recorrente deve ser intimado para complementá-lo em cinco dias; e quando não há comprovação do preparo, caso em que a parte deve ser intimada, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.
O TJMG entendeu que a segunda hipótese não se aplicaria à controvérsia analisada, pois o recorrente recolheu o preparo, mas o comprovou de forma equivocada. Nessa interpretação, o parágrafo 4º do artigo 1.007 do CPC seria restrito à situação em que não há nenhuma comprovação.
Para Nancy Andrighi, no entanto, a lei abrange tanto aquele que não comprovou de forma alguma quanto aquele que comprovou equivocadamente, pois, em ambas as situações, o pagamento não foi atestado.
Seria contraditório – concluiu a relatora – permitir o recolhimento em dobro para afastar a deserção quando o recorrente não comprovou o pagamento, mas vedar essa possibilidade àquele que recolheu o preparo e tentou comprová-lo, mas o fez de maneira equivocada.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO LOCATÍCIO E DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA POR DESERÇÃO. COMPROVAÇÃO DO PREPARO. NECESSIDADE DE JUNTAR A VIA ORIGINAL DO COMPROVANTE. AUSÊNCIA. EXCESSO DE FORMALISMO. CÓPIA DA GUIA DE RECOLHIMENTO. POSSIBILIDADE DESDE QUE PRESENTES TODOS OS DADOS INDISPENSÁVEIS. ART. 1.007, § 4º, DO CPC⁄2015. INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE EM QUE O RECOLHIMENTO NÃO FOI COMPROVADO DE FORMA ADEQUADA. POSSIBILIDADE. VÍCIO SANADO PELO RECOLHIMENTO EM DOBRO. DESERÇÃO AFASTADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.1. Ação de rescisão de contrato locatício e de indenização por benfeitorias realizadas, ajuizada em 18⁄5⁄2015, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14⁄7⁄2021 e concluso ao gabinete em 3⁄5⁄2022.2. O propósito recursal é definir se (I) a cópia da guia de recolhimento é documento suficiente a comprovar o preparo recursal; e (II) o recolhimento em dobro das custas recursais afasta a deserção quando o primeiro preparo foi recolhido, mas não foi comprovado de forma adequada no ato de interposição.3. Considerando que o art. 1.007, caput, do CPC⁄2015 não exige a juntada da via original do comprovante de pagamento, a cópia da guia de pagamento constitui meio idôneo à comprovação do recolhimento do preparo, desde que preenchida com todos os dados indispensáveis à sua vinculação ao processo. Precedentes.4. A impossibilidade de comprovação do preparo no ato de interposição do recurso atrai a incidência do art. 1.007, §4º, do CPC⁄2015, permitindo que tal vício seja sanado mediante o recolhimento em dobro do preparo.5. O art. 1.007, § 4º, do CPC⁄2015 abrange as hipóteses em que o recorrente (I) não recolheu o preparo; (II) recolheu, mas não comprovou no ato de interposição; e (III) recolheu e tentou comprovar no ato de interposição, mas o fez de forma equivocada. Em todas essas situações, o recorrente deverá ser intimado para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. Nas duas últimas hipóteses, ou se comprova o preparo já pago e o recolhe mais uma vez, ou se recolhe o valor em dobro, se assim preferir o recorrente.6. Hipótese em que (I) o comprovante juntado no ato de interposição, independentemente de ser cópia, não se referia à correta guia de recolhimento; (II) o recorrente, intimado para juntar o comprovante original, optou por logo recolher o preparo em dobro, na forma do art. 1.007, § 4º, do CPC⁄2015; (III) entretanto, o Tribunal local reconheceu a deserção, decidindo equivocadamente que o referido dispositivo não se aplicava à espécie, porquanto seria ele restrito à situação na qual não há comprovação alguma do preparo, enquanto, no particular, o recolhimento foi comprovado, mas de maneira errônea.7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que, superando o requisito referente ao preparo recursal, prossiga na apreciação da apelação, como bem entender de direito.
Leia o acórdão no REsp 1.996.415.