Quinta Turma autoriza réu preso a usar suas próprias roupas no tribunal do júri

Em respeito aos princípios da não culpabilidade, da plenitude da defesa e da presunção de inocência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o réu tem o direito de se apresentar para o julgamento na sessão do júri vestindo suas próprias roupas, em vez do uniforme do presídio.

Ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que havia negado o pedido da defesa sob o argumento de falta de previsão legal, o colegiado entendeu que o juiz não poderia indeferir, de forma genérica, a substituição dos trajes escolhidos dentro de uma estratégia traçada pela defesa. Para os ministros, caracteriza constrangimento ilegal impedir que o réu busque a melhor forma de se apresentar ao júri, desde que razoável.

“A par das algemas, tem-se nos uniformes prisionais outro símbolo da massa encarcerada brasileira, sendo, assim, plausível a preocupação da defesa com as possíveis preconcepções que a imagem do réu, com as vestes do presídio, possa causar ao ânimo dos jurados leigos”, afirmou o relator do recurso em mandado de segurança, ministro Ribeiro Dantas.

Na ação penal, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas (MG), o pedido de apresentação com vestimentas próprias foi indeferido, sob o argumento de ausência de previsão legal nesse sentido. Além disso, o juiz também considerou que, em outras situações, familiares de presos tentaram repassar drogas em fundo falso das roupas, e o tribunal do júri não teria aparato para a realização da revista.

Contra a decisão, a defesa impetrou mandado de segurança, mas o TJMG entendeu que não haveria direito líquido e certo no caso, além de não existir norma regulamentando o tema.

No recurso ao STJ, a defesa alegou que as roupas de uso diário dos detentos trazem associação com violência, de forma que construiriam uma imagem negativa do réu perante os jurados. Assim, a defesa apontou ofensa ao direito à imparcialidade, em razão do prejuízo à concepção neutra do réu pelos jurados.

Íntima convicç​​​ão

Segundo o ministro Ribeiro Dantas, o conselho de sentença, no uso de suas prerrogativas constitucionais, adota o sistema de íntima convicção, no tocante à valoração das provas. O julgamento, lembrou o relator, ocorre de acordo com o convencimento pessoal do jurado, não havendo necessidade de motivá-lo ou justificá-lo.

O relator também trouxe lições doutrinárias no sentido de que o juízo que o jurado faz em relação ao réu pode ser influenciado por aspectos como cor, opção sexual, religião, aparência física, posição socioeconômica e outros.

Por esse motivo, explicou Ribeiro Dantas, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, a plenitude de defesa como marca característica da própria instituição do júri, garantindo ao acusado uma atuação defensiva plena e efetiva. Também têm origem constitucional princípios como o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.

“Dessa forma, perpassando todo diálogo constitucional, tratando-se de pedidos do interesse do réu, máxime aqueles que visam assegurar o direito à imparcialidade dos jurados, dentro do contexto inerente ao conselho de sentença, as decisões do juiz presidente do júri devem ser dotadas de maior preciosidade, em especial as que, em tese, possam tolher qualquer estratégia defensiva, abarcando a tática de apresentação do acusado aos jurados”, apontou o relator.

Regras de M​​andela

Além disso, ressaltou o ministro, as Regras de Mandela – documento aprovado pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes – dispõem que, sempre que um preso for autorizado a se afastar do presídio, deverá ter permissão de usar suas próprias roupas ou outra que seja discreta. O relator lembrou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fixou que as Regras de Mandela podem e devem ser utilizadas como instrumento a serviço da Justiça criminal.

“Nesse sentido, é possível concluir que, havendo razoabilidade mínima no pleito da defesa, como se vislumbra do pedido pela apresentação do réu em plenário com roupas civis, resta eivada de inidoneidade a decisão que genericamente o indefere”, concluiu Ribeiro Dantas ao cassar a decisão de primeira instância. Foi ressalvada a possibilidade de que o juiz determine a revista do réu antes da sessão de julgamento.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE APRESENTAÇÃO DO RÉU COM ROUPAS CIVIS EM PLENÁRIO. PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO PROCESSO. NULIDADE ACOLHIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O Tribunal do Júri, juiz natural e soberano para julgar os crimes dolosos contra a vida, é instituição que desempenha papel fundamental na efetividade da justiça e no exercício da sociedade democrática, nos termos preceituados no art. 5º, XXVIII, da Constituição Federal.
2. O Conselho de Sentença, no uso de suas prerrogativas constitucionais, adota o sistema da íntima convicção, no tocante à valoração das provas, de forma que “a decisão do Tribunal do Júri, soberana, é regida pelo princípio da livre convicção, e não pelo art. 93, IX, da CF.” (HC 82.023⁄RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 17⁄11⁄2009, DJe 7⁄12⁄2009).
3. A Carta Magna prevê a plenitude de defesa como marca característica e essencial à própria instituição do Júri, garantindo ao acusado uma atuação defensiva plena e efetiva, ensinando o doutrinador Guilherme de Souza Nucci que “O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa,valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita,dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 35).
4. Havendo razoabilidade mínima no pleito da defesa, como se vislumbra do pedido pela apresentação do réu em Plenário com roupas civis, resta eivada de nulidade a decisão que genericamente o indefere.
5. A nulidade não exsurge do simples comparecimento do acusado na Sessão Plenária com as vestimentas usuais dos presos, sendo certo que diariamente julgamentos ocorrem nessa condição.
6. Desponta-se constrangimento ilegal quando, pleiteada a substituição dos trajes, dentro de uma estratégia defensiva traçada, o Juízo, sem pormenores, indefere o pedido, havendo cerceamento da plenitude de defesa do réu nesse ponto, haja vista não lhe ser proibido buscar a melhor forma, dentre dos parâmetros da razoabilidade, de se apresentar ao júri.
7. Recurso parcialmente provido para cassar a decisão do Juízo da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas⁄MG, na ação penal n.º 0518.17.013273-3, de forma permitir ao réu, ora recorrente, usar roupas civis na Sessão do Tribunal do Júri.
 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 60575

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