Para o colegiado, o acompanhamento é indispensável ao pleno desenvolvimento da criança.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o direito de uma professora da rede pública municipal de Bariri (SP) à redução da jornada de trabalho em sala de aula para acompanhar o filho, que tem síndrome de Down, em atividades terapêuticas, sem a necessidade de compensação de horários e sem redução salarial. A decisão fundamentou-se, entre outros pontos, no princípio da adaptação razoável, previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e levou em conta que o acompanhamento da mãe é indispensável ao pleno desenvolvimento da criança.
Jornada
A professora vem buscando, desde 2017, a redução de sua carga horária semanal de trabalho, em razão da necessidade de acompanhar o filho, hoje com seis anos, em atividades multidisciplinares em alguns dias da semana. Na reclamação trabalhista, ela lembrou a importância da presença dos pais nesses atendimentos, “uma vez que é ensinado como replicar as técnicas de estimulação no ambiente doméstico”.
Com dois empregos de professora de Geografia na Educação Básica II no município, ela sustentava que sua carga horária semanal, de 62 horas, tornava impossível a realização adequada das atividades indicadas para o filho, como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia, pediatria e natação. Pedia, assim, a redução de 11 horas e 20 minutos semanais, sem prejuízo de sua remuneração,
Proporcionalidade
O município, em sua defesa, argumentou que, embora fosse nobre o motivo do pedido, era preciso uma ponderação de valores. Entendendo haver um conflito de interesses e alegando o princípio da proporcionalidade, o município considerava que o direito de a professora acompanhar o filho não poderia se sobrepor aos dos alunos da rede municipal “e, com isso, ocasionar um prejuízo na disciplina ministrada pela docente”. Sustentou, ainda, que a impossibilidade de contratação de outro docente para substituí-la nas horas reduzidas ocasionaria “sérios problemas à municipalidade”, que teria que pagar horas extras, por tempo indeterminado, a quem assumisse as aulas.
Previsão legal
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido da professora. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) que, de igual forma, entendeu que não há previsão legal para respaldá-lo. Para o TRT, os princípios constitucionais não autorizam o Poder Judiciário a impor obrigações não previstas em lei, notadamente as que representam impacto financeiro, e a efetivação da pretensão deveria ocorrer por meio de políticas públicas abrangentes.
Responsabilidade concorrente
O relator do recurso de revista da professora, ministro Agra Belmonte, concordou com a tese do TRT sobre a falta de políticas públicas mais abrangentes, mas lembrou que, no caso das pessoas com deficiência ou necessidades especiais, há uma responsabilidade concorrente entre os órgãos federativos, prevista na Constituição Federal e em convenções internacionais. “A ainda claudicante atuação do poder público na adoção de medidas efetivas ao bem-estar da população vulnerável e, sobretudo, o alcance mais restrito da pretensão da professora permitem que este colegiado examine a controvérsia sob ótica diversa”, defendeu o relator.
Ideal de justiça
Quanto à preocupação do TRT em relação ao impacto financeiro e administrativo de uma sentença desfavorável ao município, Belmonte disse ser evidente que a transposição de um ideal de justiça de uma decisão judicial para a realidade concreta nem sempre é tranquila ou mesmo factível. Reconheceu, ainda, que a procedência integral do pedido demandaria uma série de expedientes do município, a fim de evitar prejuízos aos alunos e minimizar o impacto orçamentário.
Adaptação razoável
Todavia, na visão do relator, seria possível uma ponderação dos interesses envolvidos no caso, com a adoção do princípio da adaptação ou acomodação razoável. O artigo 2 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 6.949/2009, conceitua a “adaptação razoável” como as “modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”.
“Prover ‘adaptação’ significa adotar os esforços necessários para que as pessoas com deficiência possam usufruir dos direitos humanos e fundamentais, em igualdade de condições com os demais indivíduos”, explica o ministro. “A razoabilidade dessa acomodação encontra limite apenas na eventual desproporcionalidade entre os benefícios que podem ser alcançados com a sua adoção e os possíveis custos dela decorrentes”.
Trabalho pedagógico livre
O ministro lembrou que, no caso específico dos professores de Bariri, a Lei Municipal 4.111/2011 determina que parte da jornada seja realizada por meio de atividades pedagógicas extraclasse, as chamadas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), Horas de Trabalho Pedagógico Individual (HTPI) e Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL). As últimas são cumpridas em local e horário de livre escolha do docente. A lei também diz que o professor de Educação Básica II pode ampliar ou reduzir a jornada de trabalho definida no início do ano letivo, a critério da administração, e que o número de horas de trabalho pedagógico pode sofrer alteração conforme o número de horas/aulas que o docente assumir.
Assim, como solução razoável, o relator propôs a adequação da jornada da professora mediante a substituição das atividades pedagógicas presenciais por Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL). A mudança, respeitado o limite de 11 horas e 20 minutos semanais, não causa redução do salário e vale enquanto houver a necessidade de acompanhamento do filho. Nesse cenário, ela pode administrar os seus horários para acompanhá-lo nas atividades multidisciplinares.
Benefícios
Para Belmonte, com a adoção desse horário especial, ainda que haja, em razão do princípio da solidariedade, a necessidade de remanejamento da jornada dos demais professores de Geografia ou o pagamento de horas extras para a substituição da professora nos períodos de impossibilidade de sua docência presencial, o custo adicional para o município, seja financeiro ou administrativo, “certamente não seria substancial a ponto de superar os benefícios individuais e as repercussões sociais decorrentes da procedência do pedido”.
Aumento de produtividade
A adaptação, nesse caso, segundo o relator, atenderia plenamente o requisito da razoabilidade previsto no artigo 2º da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, “ainda mais quando se considera que esse ônus deve ser mitigado por um aumento de produtividade da professora, que, livre da preocupação de não poder acompanhar o seu filho nas atividades de que ele necessita, tende a preparar as aulas com maior qualidade e a ministrá-las com maior empenho e profundidade, em evidente benefício de seus alunos”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
ACÓRDÃO NO RECURSO ORDINÁRIO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA AUTORA.
TUTELA INIBITÓRIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, SEM DIMINUIÇÃO PROPORCIONAL DA REMUNERAÇÃO E SEM A COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS, A FIM DE QUE A TRABALHADORA ACOMPANHE SEU FILHO DE SEIS ANOS DE IDADE, PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN, EM ATIVIDADES TERAPÊUTICAS INDISPENSÁVEIS AO DESENVOLVIMENTO SADIO E À INTEGRAÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE SUBSTANCIAL E DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL. PRESENÇA DE TRANSCENDÊNCIA SOCIAL. Discute-se desde 2017 o direito de uma mãe e professora de ver reduzida em algumas horas a jornada de trabalho perante o Município de Bariri, sem a obrigatoriedade de compensação de horários e sem prejuízo da remuneração que provê o sustento da família, a fim de que ela acompanhe o filho, que completou seis anos de idade no dia 20/10/2020, nas atividades terapêuticas indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento enquanto portador da Síndrome de Down. Considerando que a proteção à infância e a assistência à pessoa portadora de necessidades especiais, bem como o direito ao trabalho são direitos sociais assegurados pela Constituição, reconhece-se a transcendência da matéria trazida no recurso de revista, nos termos do art. 896-A, §1º, III, da CLT. A razoabilidade da tese de violação do art. 5º, caput, da CF justifica o provimento do agravo de instrumento. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA DA AUTORA.
TUTELA INIBITÓRIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, SEM DIMINUIÇÃO PROPORCIONAL DA REMUNERAÇÃO E SEM A COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS, A FIM DE QUE A TRABALHADORA ACOMPANHE SEU FILHO DE SEIS ANOS DE IDADE, PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN, EM ATIVIDADES TERAPÊUTICAS INDISPENSÁVEIS AO DESENVOLVIMENTO SADIO E À INTEGRAÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA – EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE SUBSTANCIAL E DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL – CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL POR MEIO DO AUMENTO DAS HORAS DE TRABALHO PEDAGÓGICO LIVRE (HTPL) E DIMINUIÇÃO EQUIVALENTE DA JORNADA PRESENCIAL – APLICAÇÃO DOS ARTS. 98, §3º, DA LEI Nº 8.112/1990 E 11 DA LEI MUNICIPAL Nº 4.111/2011 – PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO, SEGUNDO O ART. 2 DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – PROVIMENTO PARCIAL DO PEDIDO. Discute-se desde 2017 o direito de uma mãe e professora de ver reduzida em algumas poucas horas a jornada de trabalho perante o Município de Bariri, sem a obrigatoriedade de compensação de horários e sem prejuízo da remuneração que provê o sustento da família, a fim de que ela acompanhe o filho, que completou seis anos de idade no dia 20/10/2020, nas atividades terapêuticas indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento enquanto portador da Síndrome de Down. O juízo de primeiro grau, em caráter liminar inaudita altera pars autorizado pelo art. 300, caput e § 2º, do CPC, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Já em sede de cognição exauriente, cassou a medida de urgência e julgou improcedente a pretensão. O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da autora. Utilizando como fundamento nuclear a ausência de previsão legal que respaldasse o pedido, o Colegiado acrescentou que os princípios constitucionais não autorizam o Poder Judiciário a impor obrigações não previstas em lei, notadamente as que representam impacto financeiro. Destacou que a efetivação do que pretende a trabalhadora em juízo deve ocorrer por meio de políticas públicas abrangentes. No entanto, a Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos nucleares da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV). O poder constituinte originário erigiu a construção de uma sociedade justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação, ao status de objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, I e IV). Os direitos humanos foram alçados ao patamar de princípio norteador das relações externas, com repercussão ou absorção formal no plano interno (arts. 4º, II, e 5º, §§ 2º e 3º). Já o catálogo de garantias e direitos fundamentais deixou de assumir a conformação vertical do constitucionalismo clássico para constituir o principal fundamento sobre o qual repousa todo o ordenamento jurídico nacional. A denominada Carta Política, de feição marcadamente liberal e que se propunha, essencialmente, à imposição de limites ao poder do Estado na vida privada, deu lugar a uma Carta Fundamental, de caráter dirigente, programático e de alcance muito mais abrangente e concretizador. O processo histórico de horizontalização dos direitos fundamentais adquiriu assento constitucional expresso (art. 5º, §1º), de modo que, diferentemente do que sugere o acórdão recorrido, os valores mais caros à sociedade possuem aptidão para alcançar todos os indivíduos de forma direta e eficácia plena, sem a necessidade de que sejam veiculados por meio de pontes infraconstitucionais. Nesse sentido, a matriz axiológica da Constituição não somente pode, mas, sobretudo, deve servir de fonte imediata para a resolução de demandas levadas à tutela do Poder Judiciário, notadamente aquelas de alta complexidade. De todo modo, a ausência de norma infraconstitucional específica não seria capaz de isentar o magistrado de, com base nos princípios gerais de direito, na analogia e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, dentre eles o Pacto de San Jose da Costa Rica, reconhecer a incidência direta dos direitos sociais em determinados casos concretos, mesmo porque aqueles nomeados exemplificativamente no texto constitucional, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores, encerram cláusulas gerais ou de conteúdo indeterminado, mas de aplicação imediata (arts. 6º e 7º, caput, in fine). O Tribunal Regional não deixa de ter razão quando afirma que o dever da sociedade, de assegurar o exercício de direitos aos grupos em situação de vulnerabilidade, deve ser aperfeiçoado por meio de políticas públicas de alcance abrangente. Essa responsabilidade, no caso específico dos deficientes e dos portadores de necessidades especiais, é de competência concorrente dos entes federativos, nos termos dos arts. 23, II, e 24, XIV, da CF e se encontra prevista em diversos pontos da própria Constituição, notadamente nos seus arts. 203, IV, 208, III, e 227, §1º, II, bem como na legislação específica, a exemplo do art. 8º da Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Neste sentir, é mesmo dever do Estado promocional, por meio de seus Poderes, dar conteúdo prestacional aos direitos sociais, agindo de forma ativa a concretizá-los. Ocorre que a ainda claudicante atuação do Poder Público na adoção de medidas efetivas ao bem-estar da população vulnerável e, sobretudo, o alcance mais restrito da pretensão declinada na exordial, permitem que este Colegiado examine a controvérsia sob ótica diversa. Felizmente, está ficando para trás o tempo em que a pessoa portadora de deficiência física, mental, intelectual ou sensorial, inata ou adquirida, era considerada apenas um peso a ser suportado por terceiros, fosse no âmbito familiar ou social ou ainda sob as expensas do Estado. Impulsionada pela medicina, pela psicologia, pela sociologia e por outras áreas do saber, a sociedade tem evoluído, passando a enxergar os integrantes dessa parcela da população como indivíduos sujeitos de prerrogativas e obrigações, no exercício, às vezes pleno, às vezes mitigado, de sua capacidade e de sua cidadania. O direito brasileiro não ficou alheio a essa evolução, de modo de que documentos construídos no plano internacional com o intuito de proteger e salvaguardar o exercício dos direitos dos deficientes e portadores de necessidades especiais vêm sendo absorvidos pela ordem jurídica pátria com força de emenda constitucional, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Tratado de Marraqueche; da revogação dos incisos I a III do art.3º do Código Civil brasileiro quanto à caracterização dos incapazes; e, o art.1783-A, do Código Civil, sobre a tomada de decisão apoiada. A nossa ordem jurídica, mesmo que de forma incipiente, tem procurado promover e garantir os direitos e liberdades fundamentais desses indivíduos, visando à sua inclusão social, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. Expressões de conotação depreciativa, como a outrora paradigmática “loucos de todo gênero”, deixaram de ser utilizadas nos textos legais, ao passo que a não-discriminação negativa passou a ser a palavra de ordem em documentos oficiais. No âmbito da Administração Pública, a Lei nº 13.370/2016 alterou o art. 98, §3º, da Lei nº 8.112/1990 para estender o direito ao horário especial ao servidor público federal que possui cônjuge, filho ou dependente com deficiência e para revogar a exigência de compensação. Especificamente no que toca ao Direito do Trabalho, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 110/2016, da relatoria do senador Flavio Arns, que pretende reduzir em 10% a jornada dos trabalhadores que tenham sob sua guarda filhos com deficiência, sem prejuízo da remuneração. A par de tudo o que já foi considerado, há de se ter em mente que os anseios por uma sociedade justa não podem passar ao largo da percepção de que os seus integrantes são plurais e de que a igualdade substancial é valor que coloca em alto relevo as diferenças de ordem pessoal. Tratar pessoas diferentes com isonomia não significa tratá-las segundo a mesma régua ou de acordo com os mesmos parâmetros. A aplicação do primado da igualdade sem qualquer temperamento costuma apenas aprofundar as desigualdades ainda tão presentes em nossa realidade social. É certo que os funcionários da municipalidade recorrida não têm seus horários de trabalho adequados a fim de que possam acompanhar seus filhos em atividades educacionais ou recreativas, mormente sem a redução de salários. Ocorre que o filho da autora possui características particulares que não apenas o diferenciam da maioria das outras crianças, mas, também, representam um desafio superior tanto ao seu desenvolvimento como pessoa quanto à sua afirmação enquanto agente socialmente relevante. Destaque-se, por oportuno, que a ciência não estabelece gradação à Síndrome de Down, não havendo que se cogitar de sua incidência severa ou moderada. Daí a importância do seguinte questionamento: ao negar um horário diferenciado à sua mãe, o reclamado não estaria adotando um tratamento uniforme para crianças em situações flagrantemente desiguais? Pensamos que a resposta seja positiva. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, conforme o procedimento do art. 5º, §3º, da CF, reconhece que a deficiência “é um conceito em evolução” e que “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Estabelece, no art. 3º, os seus “princípios gerais”, dentre os quais se destacam o “respeito pela diferença” e a “igualdade de oportunidades”. Prevê, no art. 5.1, que “todas as pessoas são iguais perante e sob a lei a que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e benefício da lei”. Especificamente quanto à criança, determina, no art. 7.1 que “os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças”. Referidos dispositivos não apenas ratificaram o já consagrado princípio da igualdade material insculpido no art. 5º, caput, da CF, mas, também, lhe conferiram refinamento temático expresso. Assim, o direito das crianças com deficiência, de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos, passou a ser literal na Constituição brasileira a partir de 25 de agosto de 2009, data da publicação do Decreto presidencial nº 6.949. Existem julgados do Tribunal Superior do Trabalho, inclusive da 3ª Turma, nos quais o cuidado diferenciado que deve ser dirigido às crianças portadoras de necessidades especiais justificou a alteração de turno de trabalho de seus pais. É evidente que a transposição de um ideal de justiça de uma decisão judicial para a realidade concreta nem sempre é tranquila, ou mesmo factível. O alto grau de abstração de um princípio constitucional deve sempre ser levado em consideração pelo juiz no exame da exequibilidade e das repercussões econômicas e sociais de sua decisão. Assim, é de toda pertinência a preocupação do Tribunal Regional com impacto financeiro e/ou administrativo de uma sentença desfavorável ao réu. Nesse sentido, o art. 5.3 da Convenção diz que, “a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida”. Já o art. 2 conceitua a “adaptação razoável“ como as “modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”. Prover “adaptação” significa adotar os esforços necessários para que os portadores de deficiência possam usufruir dos direitos humanos e fundamentais, em igualdade de condições com os demais indivíduos. A razoabilidade dessa acomodação encontra limite apenas na eventual desproporcionalidade entre os benefícios que podem ser alcançados com a sua adoção e os possíveis custos dela decorrentes. Diante dessa perspectiva e tornando ao caso concreto, cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses divergentes entre as partes para que a criança possa ser acompanhada por sua mãe nas atividades multidisciplinares, sem que isso proporcione um ônus para o qual o réu não esteja preparado ou não consiga suportar. Conforme o quadro fático expresso no acórdão recorrido, “a reclamante acumula dois contratos na função de Professor de Educação Básica II, ambos com a municipalidade reclamada, cada um com carga horária semanal de 31 horas”. O pedido formulado na inicial consiste na obrigação de que a municipalidade autorize a sua ausência do serviço às terças-feiras, de 13h00 às 17h00 (quatro horas) e de 18h20 às 21h10 (duas horas e cinquenta minutos), e às quintas-feiras, de 12h30 às 17h00 (quatro horas e trinta minutos). Ou seja, a autora pede para que lhe sejam reduzidas, sem prejuízo de sua remuneração, 11 horas e 20 minutos dentre as 62 horas semanais por ela despendidas no ofício de professora de Geografia da municipalidade ré. Já o município requer a total improcedência da reclamação trabalhista ou “que seja encontrada outra solução para o próximo ano letivo, para a professora poder acompanhar o seu filho no tratamento e também não haja prejuízos tanto para os alunos da rede municipal, tanto quanto para o erário municipal” (sic). De um lado, sabe-se que o acompanhamento da criança por sua mãe tende a desempenhar papel muito importante na sedimentação das competências adquiridas e/ou estimuladas nas atividades terapêuticas, mesmo porque o contato direto e reiterado da genitora com os membros da equipe multidisciplinar deve repercutir positivamente na estimulação adicional promovida no âmbito familiar. Ademais, a ciência diz que a estimulação precoce é de extrema relevância para a maior eficácia das técnicas adotadas pelos profissionais. Diante desse contexto, uma eventual improcedência da pretensão poderia ensejar até mesmo um pedido de desligamento da trabalhadora, o que prejudicaria sobremaneira os rendimentos da família e colocaria em risco a própria subsistência do filho deficiente. De outro lado, entende-se que a procedência integral do pedido demandaria uma série de expedientes do réu, a fim de que seus alunos não ficassem prejudicados e de que o impacto orçamentário fosse minimizado. Afinal, a readequação da grade horária dos docentes de Geografia, com o consequente pagamento de horas extras, ou mesmo a contratação de outro profissional, seja em cargo efetivo ou pela via do contrato emergencial, certamente resultaria em ônus administrativos para a municipalidade e financeiros para o erário, embora suportáveis em confronto com a manutenção do contrato de trabalho e o direito de acompanhamento do deficiente, em prol de uma melhor integração na sociedade. Conforme ressaltado alhures, a Lei nº 8.112/1990 assegura a concessão de horário especial ao servidor ou à servidora que possui cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação de horário. Ora, se o dependente do funcionário federal possui tal prerrogativa, entendemos que o filho de uma professora municipal deve desfrutar de direito semelhante. Pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma absolutamente desigual, sob pena de violação do multicitado princípio da igualdade substancial, previsto tanto na Constituição Federal quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No caso específico dos professores do município de Bariri, a Lei Municipal nº 4.111/2011 determina que parte da jornada de trabalho seja realizada por meio de atividades pedagógicas extraclasse, coletivas ou individuais, as chamadas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), Horas de Trabalho Pedagógico Individual (HTPI) e Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL), sendo as últimas cumpridas em local e horário de livre escolha do docente, nos termos do art. 11, §6º. Cabe destacar que o §3º do mesmo artigo diz que o professor de Educação Básica II poderá ampliar ou reduzir a jornada de trabalho definida no início do ano letivo, a critério da Administração, ao passo que o §4º estabelece que o número de horas de trabalho pedagógico sofrerá alteração conforme o número de horas/aulas que o docente assumir. A petição inicial alerta para o fato de que as 62 horas semanais de trabalho seriam compostas por 42 horas presenciais com os educandos, 4 horas de HTPC, 8 horas de HTPI e 8 horas de HTPL. Imaginando-se, em adaptação ou acomodação razoável, um cenário em que as HTPL pudessem ser aumentadas e as horas presenciais diminuídas na mesma proporção, a autora certamente teria a possibilidade de administrar os seus horários para que pudesse ter a liberdade de acompanhar o seu filho nas sessões multidisciplinares. Adotando-se esse horário especial, ainda que haja, em adoção do princípio da solidariedade, a necessidade de remanejamento da jornada dos demais professores de Geografia, ou mesmo o pagamento de horas extras para a substituição da autora nos períodos de impossibilidade de sua docência presencial, o custo adicional para a municipalidade, seja financeiro ou administrativo, certamente não seria substancial a ponto de superar os benefícios individuais e as repercussões sociais decorrentes da procedência do pedido. A “adaptação”, neste caso, atenderia plenamente o requisito da razoabilidade previsto no art. 2 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ainda mais quando se considera que esse ônus deve ser mitigado por um aumento de produtividade da professora, que, livre da preocupação de não poder acompanhar o seu filho nas atividades de que ele necessita, tende a preparar as aulas com maior qualidade e a ministrá-las com maior empenho e profundidade, em evidente benefício de seus alunos. Por fim, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça em que uma demanda de portador de deficiência foi examinada sob a ótica do Princípio da Adaptação Razoável. Recurso de revista conhecido, por violação do art. 5º, caput, da CF e parcialmente provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-11204-62.2017.5.15.0144