Representantes do PSB, do PT, do PCdoB alegaram violações a princípios constitucionais. Para a AGU e a PGR, o cancelamento visa resguardar a higidez do processo eleitoral.
No julgamento, realizado na tarde desta quarta-feira (26), pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 541 contra os dispositivos que permitem o cancelamento do título eleitoral de quem não atendeu ao chamado para cadastramento biométrico obrigatório, manifestaram-se o representante do Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da ação, representantes de outros partidos, na condição de amici curiae, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a advogada-geral da União, Grace Mendonça.
PSB
O representante do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Daniel Sarmento, afirmou que a pretensão da legenda é defender a ideia básica da inclusão política como pressuposto indispensável para a democracia. “A imposição de entraves burocráticos não deve ser suficiente para excluir o eleitor, sobretudo o eleitor pobre que tem menos acesso à informação”, disse.
Segundo o advogado, o que se discute é a grave restrição a direitos políticos, notadamente ao direito de votar, embora também ao direito de ser votado. Sarmento salientou que os direitos políticos, como direito fundamental, não são absolutos e podem sofrer restrições, desde que observado o princípio da proporcionalidade. No caso concreto, o representante afirmou que os fins legítimos buscados com o recadastramento biométrico seriam atingidos, com intensidade ainda maior, se, ao invés do cancelamento, houvesse a mera notificação dos eleitores que não se recadastraram.
A medida viola ainda, no entendimento do advogado, o princípio da igualdade, uma vez que a regra de cancelamento gera impactos desproporcionais. A ação foi baseada em estudos empíricos e dados corroborados pela manifestação do TSE que confirmam que a maioria dos eleitores atingidos pela sanção são os mais pobres do país. “No Sudeste, cerca de 1,1% dos eleitores não poderão votar por conta do recadastramento, enquanto no Nordeste esse percentual beira os 4%. Além de termos discriminação sob uma perspectiva econômica, temos uma discriminação do ponto de vista regional, vedada pela Constituição”, sustentou.
Diante de informações juntadas aos autos pelo TSE de que não seria possível aplicar a medida no primeiro turno, o partido postulou que a providência possa ser aplicada no segundo turno das Eleições 2018. Segundo o TSE, em aproximadamente 16 dias seria possível realizar essa mudança.
Amici curiae
Na condição de amigo da Corte, o representante do Partido dos Trabalhadores (PT), Eugênio Aragão, corroborou as razões do autor da ação. Para ele, não se pode presumir do não comparecimento dos eleitores para a realização do recadastramento biométrico uma atitude de confronto à legislação. “Em nome da preservação do princípio da isonomia, essas pessoas não podem pagar por não ter recursos para fazer o recadastramento. Seria de todo razoável que elas tivessem sido notificadas para que, não comparecendo, aí sim se constituísse a omissão”.
O advogado lembrou ainda que mais de mil zonas eleitoral foram suprimidas pelo TSE para contenção de gastos, o que agravou a situação e aumentou ainda mais o ônus dos eleitores de se deslocarem. Por fim, Aragão destacou que o artigo 15 da Constituição Federal elenca as hipóteses em que os direitos políticos podem ser suprimidos – e entre elas não consta a não realização de recadastramento. “Essa sanção é extremamente grave”, concluiu.
Pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), a advogada Maria Claudia Bucchianeri afirmou que o número de títulos cancelados assusta. “É como se toda a população do DF fosse automaticamente alijada do exercício de um direito fundamental sem nunca ter sido ouvida”, comparou. A representante observou que aproximadamente metade dos eleitores que tiveram os títulos cancelados no biênio de 2014-2016 já regularizaram sua situação, o que reforça a premissa de que essas pessoas não sabiam da sua situação irregular. “Quando chegaram em 2016 para votar e não conseguiram, aí sim deram início ao processo de regularização. Quando o eleitor toma conhecimento, ele atende ao chamamento da Justiça Eleitoral”.
A advogada observou, por fim, que as regras eleitorais impugnadas violam o princípio da igualdade, pois o processo de recadastramento não foi terminado e mais de 73,5 milhões votarão, no pleito de 2018, apenas com o documento de identificação, sem biometria. “A natureza do automatismo, derivada de providências burocráticas, associada à extensão e à profundidade de eleitores alijados, concentrados na região mais pobre do Brasil, geram uma situação de violação ao princípio constitucional da universalidade do sufrágio”, concluiu.
AGU
Segundo a advogada-geral da União, Grace Mendonça, as regras objeto de questionamento na ação prevalecem no ordenamento jurídico há mais de 30 anos e as resoluções do TSE vigem há 11 anos. “Eleições foram realizadas no país com base nesse acervo normativo”, assinalou.
A advogada-geral destacou que, de acordo com o artigo 14 de CF, a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor igualitário para todos, e nos termos da lei. “Portanto, foi o legislador constituinte originário que remeteu ao legislador ordinário a missão de regular de que forma, em que medida e com qual extensão e alcance essa soberania popular poderia ser exercida no nosso país”, disse.
A pretensão deduzida na ADPF, segundo a AGU, pode gerar ambiente de insegurança jurídica completa, numa compreensão distinta daquela que percorreu todo o processo de escolha no Brasil nos últimos anos. “Muito acima do direito individual de votar está o direito de toda a sociedade a um processo de escolha hígido, sólido, firme e seguro”.
Grace ressaltou que o TSE cuidou de publicar por edital, rádio, jornais e televisão o chamamento para que a população pudesse regularizar a sua situação. “É imprescindível, de fundamental importância, que a regra do jogo seja respeitada e que eventual processo de aprimoramento se dê com olhar para o futuro, não atingindo e tocando o período eleitoral tal como se pretende nessa ação”.
PGR
É inadequada, para a procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, a intervenção judicial buscada na ADPF. “A arguição maximiza a importância do voto e subestima a importância do alistamento eleitoral e se propõe a sacrificar o alistamento em favor do voto, perdendo de vista que, segundo a Constituição, não há voto livre e secreto sem alistamento eleitoral hígido e regular”, afirmou. Ainda conforme a PGR, a ação também “subvaloriza o papel ativo do cidadão no exercido dos seus deveres constitucionais de se alistar e de votar, transferindo para o estado responsabilidades impróprias”.
Para Dodge, o sufrágio universal compreende os pilares do alistamento eleitoral e do voto. Diante disso, o fato de alguém ter problemas com o alistamento e, por isso, não votar não coloca em perigo o processo eleitoral, pelo contrário, o protege. “É o alistamento eleitoral cuidadoso e completo que garante higidez do cadastro de eleitores e, assim, assegura a universalidade do sufrágio, garantindo segurança jurídica ao processo eleitoral”.
A revisão do eleitorado, diz, delimita o verdadeiro corpo de eleitores, retirando aqueles que não fizeram o alistamento eleitoral obrigatório. Permitir que essas pessoas votem, de acordo com a procuradora-geral, é permitir a burla do comando constitucional que diz que somente os alistados podem votar. “Se aquele que não se alistou adequadamente puder votar, significa que o sufrágio universal está sob risco. É como se quiséssemos igualar o eleitor ao nacional, e não ao cidadão”, concluiu.
Leia mais:
-
Processo relacionado: ADPF 541