Para Terceira Turma, é válida cláusula de perda total de valores pagos proposta pelo próprio comprador

Com base nos princípios da boa-fé contratual e da vedação à adoção de comportamento contraditório pelas partes contratantes, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, considerou válida a cláusula penal, proposta pelos próprios compradores de um imóvel, que previa a perda total dos valores pagos em caso de inadimplência.

De acordo com o processo, o contrato tinha valor aproximado de R$ 1,6 milhão e previa o pagamento de sinal mais duas parcelas.

Após terem dificuldades para pagar as parcelas, os compradores propuseram aos vendedores a inclusão de cláusula penal por meio de um termo aditivo ao contrato, no qual reconheciam a dívida e assumiam o compromisso de quitá-la. O aditivo estabelecia que, em caso de inadimplência, os valores pagos seriam retidos pelos vendedores a título de perdas e danos.

Com o término do prazo acertado e a inadimplência dos compradores quanto à dívida residual, os vendedores comunicaram a rescisão do contrato, com o acionamento da cláusula penal.

S​​MS

Em primeira instância, o juiz entendeu ser nula a cláusula penal do aditivo e determinou a restituição das quantias pagas pelos compradores, descontados os valores dispendidos a título de intermediação do negócio, o sinal e a multa contratual.

Entretanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reformou a sentença para declarar válida a cláusula de perda integral dos valores pagos. Para chegar a essa conclusão, o TJDFT considerou primordial a existência de mensagem de SMS enviada por um dos compradores ao corretor de imóveis, sugerindo a inclusão da cláusula penal no termo aditivo.

Em recurso ao STJ, os compradores alegaram que sugeriram a inclusão da cláusula penal quando se encontravam em situação de necessidade e pretendiam assegurar o patrimônio já investido. Com a declaração de nulidade da cláusula, os compradores buscavam a redução do valor retido para um percentual entre 10% e 25%.

Vícios não confi​​gurados

O ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o Código Civil de 2002 disciplina as hipóteses em que o negócio jurídico pode ser anulado em razão de defeitos ou vícios. O artigo 156 prevê a possibilidade de configuração do estado de perigo quando alguém, por necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, assume obrigação excessivamente onerosa.

Orientação semelhante está fixada no artigo 157 (lesão) para as situações em que uma pessoa, por premente necessidade ou inexperiência, obriga-se a prestação desproporcional ao objeto de negócio.

Todavia, o relator destacou que não há nos autos descrição da existência de risco à vida ou à integridade de alguma das partes que caracterizasse o estado de perigo. Quanto à hipótese do artigo 157, o ministro lembrou ser necessária a presença simultânea do elemento objetivo – a desproporção das prestações – e do elemento subjetivo – a inexperiência ou a premente necessidade.

“No caso dos autos, por se tratar de compromisso de compra e venda celebrado de forma voluntária entre particulares que, em regra, estão em situação de paridade, é imprescindível que os elementos subjetivos da lesão sejam comprovados, não se admitindo a presunção de tais elementos. Entendimento em sentido contrário poderia incentivar a parte a assumir obrigações que sabe serem excessivas para depois pleitear a anulação do negócio jurídico”, disse o relator.

Confian​​ça e lealdade

Villas Bôas Cueva também ressaltou que, nas relações contratuais, devem-se manter a confiança e a lealdade, não podendo a parte contratante exercer um direito próprio que contraria um comportamento anterior. Segundo o ministro, os próprios compradores, de acordo com os autos, deram causa à suposta desproporcionalidade que alegam terem suportado com a cláusula penal.

Para o relator, concluir pela invalidade da cláusula penal estabelecida no termo aditivo – ou mesmo pela redução da penalidade, da forma como pretendido pelos compradores ao indicar a violação do artigo 413 do Código Civil – “implicaria ratificar a conduta da parte que não observou os preceitos da boa-fé em todas as fases do contrato, o que vai de encontro à máxima do ‘venire contra factum proprium“.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES. RESCISÃO DO CONTRATO. VALORES PAGOS. PERDA INTEGRAL. PREVISÃO EM CLÁUSULA PENAL. VALIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. PROPOSIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a discutir a validade de cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares.
3. Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença simultânea de elemento objetivo – a desproporção das prestações – e subjetivo – a inexperiência ou a premente necessidade, que devem ser aferidos no caso concreto.
4. Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido.
5. O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil.
6. Na hipótese em apreço, a cláusula penal questionada foi proposta pelos próprios recorrentes, que não comprovaram a inexperiência ou premente necessidade, motivo pelo qual a pretensão de anulação configura comportamento contraditório, vedado pelo princípio da boa-fé objetiva.
7. Recurso especial não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1723690

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