Para Sexta Turma, habeas corpus contra regras do processo penal militar traz discussão de competência do STF

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou um pedido de habeas corpus para que a Auditoria Militar do Rio de Janeiro fosse compelida a oportunizar a apresentação de resposta à acusação e examinar a possibilidade de absolvição sumária em todos os processos sob sua jurisdição. Segundo o colegiado, o pedido implicava a discussão da constitucionalidade de lei em tese pelo STJ, o que configuraria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) impetrou o habeas corpus coletivo por entender que a ausência de previsão específica dessas fases processuais no Código de Processo Penal Militar (CPPM) viola a Constituição Federal. A DPRJ sustentou a admissibilidade da impetração coletiva, sob o argumento de que a ação de habeas corpus não visa debater, no plano abstrato, a inconstitucionalidade ou a não recepção de preceitos do CPPM, mas apenas o controle de legalidade de atos do juízo militar.

Além disso, a DPRJ alegou ser presumido o prejuízo decorrente da falta de previsão legal da resposta à acusação no processo penal militar, pois isso afasta a possibilidade de absolvição sumária do acusado – o que, entre outros efeitos, tem reflexos negativos na sua carreira, prejudicando a hipótese de promoção enquanto não decidida a causa penal.

Análise abstrata de tema de caráter processual não cabe em habeas corpus coletivo

A ministra Laurita Vaz observou que, além de o habeas corpus não ser a via processual adequada para a discussão pretendida pela DPRJ, a instituição não é parte legítima para postular controle abstrato de constitucionalidade, nem o STJ tem competência para julgar essa matéria.

Relatora do pedido da DPRJ, ela destacou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a ameaça de constrangimento ilegal ao direito de liberdade que enseja a utilização da via processual do habeas corpus deve se constituir objetivamente, de forma iminente e plausível, e não hipoteticamente, como no caso dos autos, em que se impugna ato normativo em tese.

Segundo a ministra, a análise abstrata de tema de caráter processual, sem impacto direto e imediato na liberdade de locomoção da coletividade tida como paciente na impetração, não autoriza a utilização de habeas corpus coletivo.

“No caso, não há nenhuma ofensa concreta, seja ela direta ou indireta, ao direito de locomoção. Eventual reconhecimento de ilegalidades em ações penais militares individuais, refletindo indiretamente sobre a liberdade de locomoção, exigirá a análise casuística da existência de prejuízo, sem o qual não se reconhece nenhuma nulidade, nos termos do artigo 499 do Código de Processo Penal Militar”, declarou.

Defensoria não tem legitimidade para ações de controle abstrato de constitucionalidade

Laurita Vaz também ressaltou que, apesar de sua relevância como órgão essencial à função jurisdicional, a Defensoria Pública não foi incluída no rol de legitimados para a propositura das ações de controle abstrato de constitucionalidade federal.

Do mesmo modo, a ministra explicou que não é possível que se utilize o habeas corpus para discutir constitucionalidade de lei em tese no STJ, o que configuraria usurpação da competência do STF.

“Aplica-se à presente impetração coletiva a compreensão já sedimentada no âmbito de outros instrumentos processuais de tutela de direitos coletivos lato sensu, como a ação civil pública, no sentido de que é inviável a ação de caráter coletivo em que o pedido de controle de constitucionalidade se confunde com o próprio objeto da ação, configurando-se uma verdadeira ação direta dissimulada de ação coletiva, como ocorreu no caso”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DO CÓDIGO PENAL MILITAR. DIREITOS CONSTITUCIONAIS À AMPLA DEFESA, AO CONTRADITÓRIO E À ISONOMIA. DISCUSSÃO DE LEI EM TESE. TENTATIVA DE DISSIMULAR CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE EM TUTELA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DA AUTORA PARA O CONTROLE ABSTRATO FEDERAL. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro impetrou habeas corpus coletivo com o objetivo de compelir o Juízo da Auditoria Militar daquele Estado, em caráter genérico e abstrato, a oportunizar a apresentação de resposta à acusação e examinar a possibilidade de absolvição sumária em todos os processos sob sua jurisdição, por entender que a ausência de previsão específica dessas fases processuais no Código de Processo Penal Militar violaria a Constituição Federal.
2. A medida pleiteada claramente pretende, em controle de constitucionalidade sem caso concreto, que seja declarada a não recepção de artigos do Código Penal Militar pela Constituição Federal de 1988, que seja reconhecida a inconstitucionalidade por omissão do referido diploma normativo ou que lhe seja dada interpretação conforme para aplicar supletivamente o Código de Processo Penal comum quanto à possibilidade de defesa prévia e absolvição sumária.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é uníssona no sentido de que a ameaça de constrangimento ilegal ao jus libertatis que enseja a utilização da via processual do habeas corpus deve se constituir objetivamente, de forma iminente e plausível, e não hipoteticamente, como na hipótese dos autos, em que se impugna ato normativo em tese. A análise abstrata de tema de caráter processual, sem impacto direito e imediato na liberdade de locomoção da coletividade tida como paciente na impetração, não enseja a utilização de habeas corpus coletivo.
4. Apesar de sua extrema relevância como órgão essencial à função jurisdicional, a Defensoria Pública lamentavelmente ainda não foi incluída no rol de legitimados à propositura das ações de controle abstrato de constitucionalidade federal. Do mesmo modo, não é possível que se utilize o instrumento processual do habeas corpus para discutir constitucionalidade de lei em tese nesta Corte Superior, o que configuraria usurpação da competência da Corte Suprema.
5. Aplica-se à presente impetração coletiva a compreensão já sedimentada no âmbito de outros instrumentos processuais de tutela de direitos coletivos lato sensu, como a ação civil pública, no sentido de que é inviável a ação de caráter coletivo em que o pedido de controle de constitucionalidade se confunde com o próprio objeto da ação, configurando-se uma verdadeira ação direta dissimulada de ação coletiva.
6. Agravo regimental desprovido.

Leia o acórdão no RHC 143.611.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC 143611

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