Negativa de cobertura da seguradora é marco inicial de prescrição para ação indenizatória por vícios de construção

Quando não for possível comprovar a data em que o segurado tomou conhecimento dos vícios na estrutura de imóvel comprado por meio do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o prazo para ajuizar ação visando o recebimento do seguro deverá ser contado a partir do momento em que houve a comunicação do fato à seguradora e ela se recusou a pagar a indenização.

O entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que havia considerado como data de início do prazo de prescrição o termo final dos contratos de financiamento ou a data de cancelamento das hipotecas. A decisão foi por maioria.

A ação de indenização foi proposta contra uma seguradora, buscando o pagamento de indenização por danos materiais em imóveis adquiridos pelo SFH. Segundo os proprietários, os imóveis do conjunto habitacional foram edificados com negligência na fiscalização das obras e desrespeito às normas técnicas de engenharia. Como consequência, alegaram, as casas vêm revelando vários danos estruturais.

Em primeiro grau, o juiz declarou a ilegitimidade ativa de algumas das partes e julgou extinto o processo, com resolução de mérito, em relação aos demais, em virtude da prescrição.

A sentença foi mantida pelo TJGO. Para o tribunal, como os autores não demonstraram a data em que tomaram ciência dos danos nos imóveis, deveria ser considerado para o início do prazo de prescrição o fim dos contratos de financiamento ou a data de cancelamento das hipotecas – momento em que se encerraria a obrigação securitária.

Como as casas foram construídas e financiadas nas décadas de 1980 e 1990, com os contratos baixados até 2004, e a reclamação para o recebimento da cobertura securitária ocorreu em 2011, o TJGO entendeu que estava superado há muito tempo o prazo de um ano, previsto pelo artigo 178 do Código Civil de 1916 e pelo artigo 206 do Código Civil de 2002.

Proteção contratu​​al

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, destacou entendimento fixado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.622.608, no sentido de que, em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional mesmo após a conclusão do contrato, ficando garantida a cobertura para sinistro concomitante à vigência do ajuste, ainda que só revelado depois de sua extinção.

Em relação à prescrição, no mesmo julgamento, a turma concluiu que, quanto aos vícios concomitantes à vigência do contrato, uma vez comprovada a data em que os segurados deles tomaram conhecimento, passa a correr o prazo de um ano para o exercício da pretensão indenizatória.

Todavia, a relatora ressaltou que não houve demonstração cabal do momento em que os consumidores descobriram os defeitos alegados no processo. Nesses casos, Nancy Andrighi também destacou entendimento da Terceira Turma segundo o qual o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento da ação é o momento em que o segurado comunica o fato à seguradora e esta se recusa a indenizar.

No caso dos autos, a ministra destacou que, apesar de as unidades imobiliárias terem sido construídas e financiadas até a década de 1990, a reclamação para o recebimento da cobertura securitária se deu apenas em 2011 – mesmo ano em que foi ajuizada a ação indenizatória.

“Assim, há de ser afastada a prescrição e, consequentemente, determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para o devido andamento processual”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DE COERDEIRA. PRETENSÃO EXERCIDA PARA ATENDER INTERESSE PRÓPRIO E NÃO DEFENDER A PROPRIEDADE OU POSSE DO BEM DO ESPÓLIO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. COMUNICAÇÃO DO FATO À SEGURADORA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. JULGAMENTO: CPC⁄73.

  1. Ação de indenização securitária ajuizada em 05⁄05⁄11, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 28⁄07⁄2015 e concluso ao gabinete em 06⁄10⁄16.

  2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a legitimidade ativa da coerdeira para pleitear a indenização securitária por vício de construção relativo ao bem que compõe a herança; (ii) o termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória exercida contra a seguradora; (iii) o prazo prescricional aplicável.

  3. Com o falecimento, ocorre, desde logo, a transmissão da propriedade dos bens do falecido aos seus herdeiros (art. 1.784 do CC⁄02) e, a partir dessa transmissão, cria-se o condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse dos respectivos bens, pelas normas relativas ao condomínio, consoante determina o art. 1.791, parágrafo único, do CC⁄02.

  4. Enquanto não realizada a partilha, o coerdeiro possui legitimidade ativa para a propositura de ação que visa à defesa do patrimônio comum deixado pelo de cujus; todavia, essa ampliação da legitimidade ativa não o autoriza a pretender para si, exclusivamente, bens e⁄ou direitos que deveriam integrar o espólio, em detrimento do interesse dos demais herdeiros.

  5. Os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vícios ocultos).

  6. Quando não for possível comprovar a data em que os segurados tomaram conhecimento dos vícios na estrutura de imóvel adquirido por intermédio de contrato vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, o termo inicial do prazo prescricional para o recebimento de indenização securitária é o momento em que eles comunicam o fato à seguradora e esta se recusa a indenizar. Precedentes.

  7. Hipótese em que há de ser afastada a prescrição, tendo em vista que, apesar de as unidades imobiliárias terem sido construídas e financiadas nas décadas de 80 e 90, a reclamação voltada à percepção da cobertura securitária deu-se apenas no ano de 2011, no mesmo ano em que ajuizada a presente ação indenizatória (05⁄05⁄2011).

  8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

Leia o acórdão.​​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1773822

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