Mantida a decisão que concedeu benefício assistencial a criança com Síndrome de Down

Uma criança com Síndrome de Down conseguiu na Justiça o direito de receber o benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu da decisão da Justiça Federal de Goiás alegando que o autor não havia preenchido os requisitos previstos em lei, visto que não apresentava incapacidade laborativa superior a dois anos e que a condição financeira da família era incompatível com a alegada pela parte autora. A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o recurso, mantendo o benefício.

De acordo com os autos, a incapacidade da criança foi comprovada por laudo médico judicial “para a vida independente e para o laboro desde dezembro de 2015, necessitando de ajuda de terceiros para sobreviver”. Segundo a perícia, condição da criança é rara desde o nascimento, apresentando “distúrbios comportamentais, déficit cognitivo, desorientação, alienação mental (…) sendo o mesmo incapaz para a vida independente e para o laboro futuro”.

Incapacidade para a vida independente e para o trabalho – Segundo o relator do processo, desembargador federal João Luiz de Sousa, os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93: o requerente deve ser deficiente ou ser idoso com 65 anos ou mais; não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e ter renda mensal familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).

Esse último, segundo entendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, não é a única hipótese para se conceder o benefício, visto que a análise da necessidade assistencial é admitida em cada caso concreto, mesmo que o “quantum” da renda “per capita” ultrapasse o valor de um quarto do salário mínimo”.

Assim, “cabe ao julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto, segundo fatores outros que possibilitem a constatação da hipossuficiência do requerente, figurando o critério objetivo legal como um norte também a ser observado”, explicou o magistrado.

Outro ponto que o relator destacou foi que o Estatuto do Idoso, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), assegurou que “para fins de cálculo da renda familiar mensal, não deve ser considerado o benefício (mesmo que de natureza previdenciária) que já venha sendo pago a algum membro da família, desde que seja de apenas um salário mínimo”.

No caso dos autos, o desembargador federal João Luiz de Sousa afirmou que a condição de miserabilidade do autor foi comprovada, “demonstrando a vulnerabilidade social em que vive e evidenciando, assim, a necessidade de concessão do benefício vindicado, conforme deferido pelo juízo a quo”.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E/OU MENTAL. PERÍCIA MÉDICA. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE. ESTUDO SOCIOECONÔMICO. HIPOSSUFICIÊNCIA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TEMA 1.076/STJ. RECURSO REPETITIVO. OBSERVÂNCIA DO ART. 85, §§ 2° E 3º, DO CPC.

1. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, e a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) garantem um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social.

2.  Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) o requerente deve ser portador de deficiência ou ser idoso com 65 anos ou mais; ii) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e iii) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).

3. O Col. STF, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, declarou que a  regra constante do art. 20, § 3º, da LOAS não contempla a única hipótese de concessão do benefício, e sim presunção objetiva de miserabilidade, de forma a admitir a análise da necessidade assistencial em cada caso concreto, mesmo que o “quantum” da renda “per capita” ultrapasse o valor de ¼ do salário mínimo, cabendo ao julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto.

4.Também o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, consagrou a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade do beneficiário por outros meios de prova, quando a renda per capita do núcleo familiar for superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Nesse sentido, cf. REsp 1.112.557/MG, Terceira Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/11/2009.

5. Firmou-se o entendimento jurisprudencial de que, para fins de cálculo da renda familiar mensal, não deve ser considerado o benefício (mesmo que de natureza previdenciária) que já venha sendo pago a algum membro da família, desde que seja de apenas 1 (um) salário mínimo, forte na aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Precedentes.

6. Considera-se deficiente aquela pessoa que apresenta impedimentos (físico, mental, intelectual ou sensorial) de longo prazo (mínimo de 2 anos) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tal deficiência e o grau de impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, consoante o § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social.

7.Na hipótese, o laudo médico judicial (num. 78303049 – págs. 128/133) revelou que a parte autora é portadora de “Síndrome de down”, acarretando incapacidade total e permanente para a vida independente e para o labor desde dezembro de 2015, necessitando de ajuda de terceiros para sobreviver, eis que acometida de “doença rara, sindrômica caracterizada como síndrome de down, desde o nascimento, onde secundário pela deficiência apresenta-se distúrbios comportamentais, déficit cognitivo, desorientação, alienação mental, retardo mental, apático, doença incurável de prognóstico ruim sendo o mesmo incapaz para a vida independente e para o labor futuro”. Outrossim, a sua condição de miserabilidade se encontra escudada no estudo socioeconômico (num. 78303049 – págs. 109/117), apontando que o requerente reside com seus pais e uma irmã, estando o núcleo familiar auferindo renda mensal no valor de R$1.116,00 (um mil, cento e dezesseis reais), o que resulta na renda per capita de R$279,00 (duzentos e setenta e nove reais), inferior, portanto, à ½ (metade) do salário mínimo, então vigente, no valor de R$937,00 (novecentos e trinta e sete reais), demonstrando a vulnerabilidade social em que vive e evidenciando, assim, a necessidade de concessão do benefício vindicado, conforme deferido pelo juízo a quo.

8. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da data do ajuizamento da ação, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal, sob pena de violação ao princípio da ne reformatio in pejus, devendo ser descontados os importes eventualmente recebidos, no mesmo período, a título de benefício inacumulável. No caso dos autos, o termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo em 01/12/2015, ocasião em que o autor já preenchia os requisitos necessários para a concessão do benefício, conforme acima alinhavado.

9. Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

10.Os honorários advocatícios devem ser adequados, à luz dos princípios da razoabilidade e da equidade, para 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em consonância ao quanto decidido no julgamento do tema n. 1.076 pela Corte Especial do STJ, aí incluídas tão somente as parcelas vencidas até a prolação da sentença, conforme Súmula n. 111/STJ.

11. Apelação do INSS desprovida e recurso adesivo da parte autora provido nos termos do item 10.

Diante desse contexto, o Colegiado acompanhou o voto do relator e manteve o pagamento do benefício a partir da data do requerimento administrativo, em 2015, ocasião em que o autor já preenchia os requisitos para seu recebimento.

 

Processo: 0030712-26.2018.4.01.9199

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