JT-MG condena fazendeiro de café do sul de Minas por trabalho escravo

Eles foram trazidos da Bahia para o sul de Minas, para trabalhar na colheita de café de uma fazenda. Lá foram submetidos a condições degradantes de trabalho, em situação análoga ao trabalho escravo. Por se convencer de que essa situação de fato ocorreu, como alegado na ação trabalhista ajuizada por um sindicato, o juiz Agnaldo Amado Filho, titular da Vara do Trabalho de Caxambu, condenou o fazendeiro por danos morais.

Para se ter uma ideia da gravidade do quadro denunciado na ação, vale transcrever um trecho da acusação da entidade sindical: “No alojamento a cozinha era improvisada, havia muita sujeira no chão e nas bancadas. Os alimentos ficavam no chão ou em caixas, pois não havia armários para guardar mantimentos. Nos “quartos” também não havia armários para que os trabalhadores pudessem organizar os seus pertences e tudo ficava amontoado no chão. Não existiam camas, sendo que todos os trabalhadores dormiam no chão, amontoados. Dormiam homens e mulheres no mesmo “quarto”, casais e solteiros, todos juntos, em colchões no chão. As instalações sanitárias dos alojamentos também estavam em precário estado de conservação e limpeza, com odor forte e desagradável. O chuveiro funcionava muito mal e por vezes sequer esquentava, para que os substituídos pudessem tomar banho. Como se não bastasse, quando dava-se descarga no vaso sanitário os dejetos eram despejados a menos de seis metros da porta da cozinha, a céu aberto. Nos alojamentos a limpeza era precária e havia muito lixo e entulho espalhado nos terrenos”.

Esse cenário estarrecedor foi reconhecido pelo magistrado ao se deparar com as condições degradantes descritas nos Autos de Infração lavrados contra o fazendeiro. Conforme esclareceu na sentença, são documentos administrativos que gozam de presunção de veracidade, deles se extraindo que os trabalhadores exerceram a função de safristas, sem o devido registro. Havia informação de falta de abrigos nas frentes de trabalho e não disponibilização de instalações sanitárias adequadas, com vasos sanitários e lavatórios. Segundo registrado, a moradia familiar não possuía fossa séptica e não eram fornecidos equipamentos individuais de proteção. Até uma trabalhadora com idade inferior a 18 anos foi encontrada.

Na sentença, amplamente fundamentada, o juiz esclareceu não se vincular à decisão proferida na esfera criminal. Para tanto, se valeu do artigo 66 do Código de Processo Penal, segundo o qual, mesmo que haja sentença absolutória no juízo criminal, não haverá impedimento à propositura da ação civil.

Para o magistrado, ficou claro que os trabalhadores substituídos foram submetidos a condições análogas ao trabalho escravo, identificando, no caso, a ofensa à honra e à dignidade humana.

Referindo-se a caso similar aos autos, em ação ajuizada pelo mesmo Sindicato autor, o juiz registrou o decidido pelo TRT de Minas, nos autos do processo nº 0010850-86.2016.5.03.0053(RO), com base no voto da desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro, na 11ª Turma:

“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDIÇÕES DE TRABALHO PRECÁRIAS. A submissão dos empregados a condições de trabalho degradantes desprovidas de condições mínimas de higiene e conforto, em evidente afronta à dignidade da pessoa humana, configura conduta antijurídica do empregador suficiente a fundamentar a indenização por danos morais”.

Citando abalizada doutrina, o julgador fundamentou seu convencimento de que o réu praticou ato ilícito, submetendo os trabalhadores a condições degradantes, ofensivas à dignidade humana, análogas ao trabalho escravo. Nesse contexto, condenou o fazendeiro a pagar indenizações por danos morais, sendo o valor reduzido pelo TRT de Minas, em grau de recurso, para R$5 mil para cada trabalhador substituído.

Recurso – A Turma julgadora acatou entendimento de que os empregados tiveram que suportar condições inadequadas de trabalho. Chamou a atenção para o fato de não haver prova de que as infrações constatadas tenham sido sanadas. “A gestão da prestação de serviços dos Substituídos passou ao largo das regras contidas na NR-24 da Portaria 3.214/1978, que normatiza  as condições de higiene, saúde e segurança no trabalho, dentre elas a oferta de instalações sanitárias e de equipamentos adequados pelos empregadores nos locais de trabalho para viabilizar a prestação de serviço de forma sadia e segura”, registrou, apontando ainda que: “a Reclamada descumpriu as normas previstas no art. 200 da CLT e na NR 24 da Portaria nº. 3.214/78 do Ministério do Trabalho, relativas ao meio ambiente de trabalho, uma vez que não disponibilizava instalações sanitárias, água potável e nem ventilação adequada no ambiente de trabalho, vulnerando a dignidade dos empregados, expondo-os a situações insalutíferas e degradantes”.

Para a Turma julgadora, o fazendeiro praticou ato ilícito, ao não oferecer condições dignas de trabalho aos seus empregados, nos termos do artigo 7º, XXII, da Constituição Federal, o que é suficiente para se impor o dever de indenizar.

Mas a Turma discordou do valor fixado pelo juiz de 1º Grau, considerando diversos critérios, reduzindo-o para R$5 mil para cada substituído. O montante foi considerado adequado e suficiente para atender aos fins a que se destina, com base no que tem decidido a Turma e no valor da remuneração dos empregados e do contrato de trabalho que perdurou por cerca de dois meses.

O recurso ficou assim ementado:

DANOS MORAIS. CONDIÇÕES PRECÁRIAS NO LOCAL DE TRABALHO. Por não existir no local de trabalho condições mínimas capazes de oferecer tratamento digno e plenas condições de saúde e higiene aos empregados, restam configurados os pressupostos para a obrigação indenizatória. Tal situação indubitavelmente afronta a dignidade humana, que tem proteção assegurada no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, contrariando, ainda, as normas cogentes de higiene e segurança do trabalhador, visando assegurar o mínimo necessário para que sejam saudáveis as condições da prestação de serviços.

Processo PJe: 0010845-64.2016.5.03.0053

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