Por maioria de votos, o colegiado concluiu pela responsabilização do Estado quando as forças policiais atuarem de forma desproporcional e colocarem em risco integridade desses profissionais.
Por 10 votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta quinta-feira (10), que o Estado tem o dever de indenizar profissionais de imprensa que sejam feridos por agentes policiais durante a cobertura jornalística de manifestações em que haja tumulto ou conflito entre a Polícia e os manifestantes. Segundo a decisão, tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1209429, com repercussão geral (Tema 1055), a responsabilização estatal é afastada se o profissional descumprir advertência ostensiva e clara das forças de segurança sobre acesso a aŕeas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física.
Culpa da vítima
No julgamento, que havia sido suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques na sessão de quarta-feira (9), foi analisado o recurso interposto por um repórter fotográfico atingido no olho esquerdo por bala de borracha disparada pela Polícia Militar de São Paulo (PM-SP), enquanto cobria um protesto de professores na capital paulista em 18/5/2000. O ferimento resultou na perda de 90% da visão.
Ele questiona decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) que, mesmo admitindo que a bala de borracha da corporação fora a causa do ferimento, reformou sentença de primeira instância para assentar a culpa exclusiva da vítima e negar o pedido de indenização por danos materiais e morais contra o Estado.
Descumprimento de protocolos
Prevaleceu o entendimento do relator do recurso, ministro Marco Aurélio, de que a decisão do TJ-SP sobre a culpa exclusiva do repórter inibe a cobertura jornalística e o direito-dever de informar, previsto na Constituição Federal (artigo 5º, incisos IX e XIV e artigo 220). Para o ministro, a PM-SP não levou em conta diretrizes básicas de conduta em eventos públicos nem os protocolos de uso de armas não letais.
Para o ministro Alexandre de Moraes, autor da tese de repercussão geral fixada no julgamento, a análise dos fatos exclui a possibilidade de culpa exclusiva da vítima porque, segundo protocolos internacionais, balas de borracha só podem ser desferidas da cintura pra baixo. “Ferimentos da cintura pra cima demonstram imperícia ou imprudência, pois descaracterizam o teor não letal do armamento”, observou.
Inexistência de responsabilidade estatal
O ministro Nunes Marques foi o único a divergir, por entender que não há norma constitucional que confira a uma categoria de trabalhadores proteção maior que a de outros cidadãos, de forma a caracterizar a responsabilidade civil. Segundo ele, profissão, idade, condição social ou extensão do ferimento podem ser utilizados para mensurar a indenização, mas não para definir a responsabilidade estatal de indenizar uma pessoa por acidente provocado por atos fortuitos de agentes do Estado durante o trabalho.
Para o ministro, a aplicação da excludente de responsabilidade civil ao caso não viola o direito ao exercício profissional nem o direito-dever de informação, que não pressupõem o reconhecimento de uma garantia automática de indenização aos profissionais de imprensa por exposição voluntária ao perigo em coberturas jornalísticas.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
“É objetiva a responsabilidade civil do estado em relação ao profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante a cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflito entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente de responsabilidade da culpa exclusiva da vítima nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a aŕeas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PROFISSIONAL DE IMPRENSA FERIDO, EM SITUAÇÃO DE TUMULTO, DURANTE COBERTURA JORNALÍSTICA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O Estado responde civilmente por danos causados a profissional de imprensa ferido pela polícia, durante cobertura jornalística de manifestação popular. A apuração da responsabilidade dá-se na forma da teoria do risco administrativo, pacificamente aceita pela jurisprudência e pela doutrina. 2. Admite-se a invocação da excludente de responsabilidade civil da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que em que o profissional de imprensa I – descumpra ostensiva e clara advertência sobre o acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco à sua integridade física; ou II – participe do conflito com atos estranhos à atividade de cobertura jornalística. 3. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu a referida excludente de responsabilidade, sem identificar quaisquer destas circunstâncias – mas unicamente pelo fato de o fotógrafo estar presente na manifestação. 4. A atuação dos profissionais de imprensa na apuração de informações relevantes para a sociedade é tutelada pela Constituição, não podendo ser alegada pela afastar a responsabilidade civil do Estado. 5. O pedido de pensão mensal vitalícia merece ser atendido, em face do grave comprometimento do exercício da atividade de fotojornalismo, após ter o autor perdido 90% da visão em um dos olhos. Já o valor fixado a título de indenização pelos danos morais mostra-se alinhado aos parâmetros adotados pela jurisprudência brasileira em casos análogos, não cabendo sua elevação. 6. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. Tema 1055, fixada a seguinte tese de repercussão geral: ““É objetiva a Responsabilidade Civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas, em que haja grave risco à sua integridade física”.
Tema
1055 – Responsabilidade civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido, em situação de tumulto, durante cobertura jornalística.
Tese
É objetiva a Responsabilidade Civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas, em que haja grave risco à sua integridade física.
Ficaram vencidos, na tese, os ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Edson Fachin.
Leia mais: