É incabível a quebra de sigilo bancário como medida executiva atípica, decide Terceira Turma

Considerando que o sigilo bancário é direito fundamental, passível de ser afastado apenas para a proteção do interesse público, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é incabível a quebra desse sigilo como medida executiva atípica para a satisfação de interesse particular.

Por unanimidade, o colegiado firmou essa orientação ao dar parcial provimento ao recurso especial em que um credor, em ação de execução de título extrajudicial, pediu a quebra do sigilo bancário, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e a retenção do passaporte, entre outras medidas executivas atípicas, contra seus devedores.

Segundo o credor, as medidas requeridas seriam cabíveis diante do esgotamento dos meios tradicionais de penhora e em razão do longo período de tramitação da execução sem a efetiva satisfação do seu crédito. O pedido foi negado pelo tribunal de origem, que considerou desproporcional a suspensão das CNHs e a retenção dos passaportes dos devedores. A quebra de sigilo bancário também foi indeferida.

Cabimento de medidas executivas atípicas

Relator do recurso do credor, o ministro Marco Aurélio Bellizze lembrou que, com base no artigo 139, inciso IV, do CPC, a jurisprudência do STJ considera cabíveis os chamados meios de coerção indiretos, desde que existam indícios de que o devedor tem patrimônio expropriável e tais medidas sejam devidamente fundamentadas e adotadas de forma subsidiária pelo juízo.

Para o magistrado, o acórdão recorrido contrariou esse entendimento ao afirmar que a suspensão das CNHs e a retenção dos passaportes, por si só, seriam medidas desproporcionais e injustificáveis. Por isso, ele determinou a devolução dos autos à origem, para que essas questões sejam novamente apreciadas, observando a jurisprudência do STJ.

Sigilo pode ser flexibilizado para a proteção do interesse público

Em relação ao sigilo bancário, Bellizze lembrou que a Lei Complementar 105/2001 estabeleceu que ele pode ser afastado, excepcionalmente, para apuração de qualquer ilícito criminal (artigo 1°, parágrafo 4º), bem como no caso de infrações administrativas (artigo 7º) e de procedimento administrativo fiscal (artigo 6º).

Segundo o ministro, o artigo 10 da LC 105/2001 tipificou como crime a quebra de sigilo bancário que não se destine a nenhuma dessas finalidades, ainda que haja determinação judicial. Essa medida “drástica” – prosseguiu o magistrado – decorre da tutela constitucional conferida ao dever de sigilo, “de forma que a sua flexibilização se revela possível apenas quando se destinar à salvaguarda do interesse público”.

De acordo com o magistrado, portanto, não é possível a quebra do sigilo bancário para a “satisfação de um direito patrimonial disponível, tal como o adimplemento de obrigação pecuniária, de caráter eminentemente privado, mormente quando existentes outros meios suficientes ao atendimento dessa pretensão”.

Para o relator, “a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (artigo 5º, inciso X, da Constituição) e do sigilo de dados (artigo 5º, inciso XII) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica”.

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O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CABIMENTO DE FORMA SUBSIDIÁRIA. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À PROPORCIONALIDADE. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. FINALIDADE DE SATISFAÇÃO DE DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. INTERESSE MERAMENTE PRIVADO. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir o cabimento e a adequação de medidas executivas atípicas especificamente requeridas pela recorrente, sobretudo a quebra de sigilo bancário.
2. A jurisprudência desta Corte Superior, tal como já decidido no REsp n. 1.788.950⁄MT, admite a adoção de medidas executivas atípicas, com fundamento no art. 139, IV, do CPC⁄2015, “desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade” (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23⁄4⁄2019, DJe 26⁄4⁄2019), a exemplo das providências requeridas no presente feito, de suspensão das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) e de apreensão dos passaportes dos executados. Precedentes.
3. A falta de debate efetivo pelo Tribunal de origem acerca de questões levantadas nas razões do recurso especial caracteriza ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula 211⁄STJ.
4. O sigilo bancário constitui direito fundamental implícito, derivado da inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF⁄1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF⁄1988), integrando, por conseguinte, os direitos da personalidade, de forma que somente é passível de mitigação – dada a sua relatividade –, quando dotada de proporcionalidade a limitação imposta.
5. Sobre o tema, adveio a Lei Complementar n. 105, de 10⁄01⁄2001, a fim de regulamentar a flexibilização do referido direito fundamental, estabelecendo que, a despeito do dever de conservação do sigilo pela instituição financeira das “suas operações ativas e passivas e serviços prestados” (art. 1º), esse sigilo pode ser afastado, excepcionalmente, para a apuração de qualquer ilícito criminal (art. 1º, § 4º), bem como de determinadas infrações administrativas (art. 7º) e condutas que ensejem a abertura e⁄ou instrução de procedimento administrativo fiscal (art. 6º).
6. Nessa perspectiva, considerando o texto constitucional acima mencionado e a LC n. 105⁄2001, assenta-se que o abrandamento do dever de sigilo bancário revela-se possível quando ostentar o propósito de salvaguardar o interesse público, não se afigurando cabível, ao revés, para a satisfação de interesse nitidamente particular, sobretudo quando não caracterizar nenhuma medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória, como estabelece o art. 139, IV, do CPC⁄2015, como na hipótese.
7. Portanto, a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF⁄1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF⁄1988) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

Leia o acórdão no REsp 1.951.176.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1951176

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