É crime entregar veículo a não habilitados, mesmo quando não há acidente

Ao julgar nova reclamação (Rcl 28772) do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), o ministro Nefi Cordeiro, da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve entendimento do tribunal que considera crime entregar veículo a motorista não habilitado, mesmo quando não há ocorrência de acidente, conforme prevê o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Pelo menos sete reclamações do MP/RS contra decisão do Juizado Especial Criminal gaúcho, que absolveu acusados desse tipo de infração, foram analisadas por ministros do STJ nos últimos meses. Em todas elas, o STJ concedeu liminar ao pedido do MP/RS e manteve a condenação dos réus.

Na causa, o Ministério Público recorreu ao STJ depois que o Juizado Especial Criminal gaúcho absolveu um acusado que permitiu a condução de seu veículo por motorista sem habilitação. Na reclamação, o Ministério Público salientou que a decisão descumpria um entendimento já firmado pelo STJ ao julgar, em março de 2015, uma causa semelhante de Minas Gerais e que passou a valer para todo o Brasil, constante no Recurso Especial repetitivo n. 1.485.830/MG.

Na época, o STJ entendeu que, para a prática do crime previsto no artigo 310 do CTB, não é exigível “a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança”.

A decisão do ministro Nefi Cordeiro será submetida ao colegiado para apreciação dos ministros da Terceira Seção do STJ.

O REsp 1.485.830, ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO DE ACORDO COM O ART. 543-C. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CRIME DE TRÂNSITO. ART. 310 DO CTB. BEM JURÍDICO. SEGURANÇA DO TRÂNSITO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE LESÃO OU EXPOSIÇÃO A PERIGO DE DANO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Recurso especial processado de acordo com o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c⁄c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8⁄2008 do STJ. TESE: É de perigo abstrato o crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, não é exigível, para o aperfeiçoamento do crime, a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.
2. Embora seja legítimo aspirar a um Direito Penal de mínima intervenção, não pode a dogmática penal descurar de seu objetivo de proteger bens jurídicos de reconhecido relevo, assim entendidos, na dicção de Claus Roxin, como “interesses humanos necessitados de proteção penal”, qual a segurança do tráfego viário.
3. Não se pode, assim, esperar a concretização de danos, ou exigir a demonstração de riscos concretos, a terceiros, para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos a pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público.
4. Na dicção de autorizada doutrina, o art. 310 do CTB, mais do que tipificar uma conduta idônea a lesionar, estabelece um dever de garante ao possuidor do veículo automotor. Neste caso estabelece-se um dever de não permitir, confiar ou entregar a direção de um automóvel a determinadas pessoas, indicadas no tipo penal, com ou sem habilitação, com problemas psíquicos ou físicos, ou embriagadas, ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas condições.
5. Recurso especial provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): Rcl 28772

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