A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso para declarar a nulidade de escritura de compra e venda de imóvel por entender que, embora o negócio tenha sido feito com base em procuração que concedeu poderes amplos, gerais e irrestritos, tal documento não especificava expressamente o bem alienado – não atendendo, portanto, os requisitos do parágrafo 1º do artigo 661 do Código Civil.
Na ação que deu origem ao recurso, o dono do imóvel afirmou que outorgou procuração ao irmão para que este cuidasse do seu patrimônio enquanto morava em outro estado. Posteriormente, soube que um imóvel foi vendido, mediante o uso da procuração, para uma empresa da qual o irmão era sócio, e ele mesmo – o proprietário – não recebeu nada pela operação.
A sentença julgou improcedente o pedido de anulação da escritura e aplicou multa por litigância de má-fé ao autor da ação. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a decisão, mas afastou a multa.
No recurso especial, o autor afirmou que o negócio é nulo porque foi embasado em procuração outorgada 17 anos antes, sem a delegação de poderes expressos, especiais e específicos para a alienação do imóvel, cuja descrição precisaria constar do documento.
Termos gerais
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, considerou que, de acordo com o artigo 661 do Código Civil, a procuração em termos gerais só confere poderes para a administração de bens do mandante.
Ela citou doutrina em reforço do entendimento de que atos como o relatado no processo – venda de um imóvel – exigem a outorga de poderes especiais e expressos, incluindo a descrição específica do bem para o qual a procuração se destina.
“Os poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel)” – explicou a ministra sobre a exigência prevista no parágrafo 1º do artigo 661 do CC/2002.
A relatora destacou que, de acordo com os fatos reconhecidos pelo TJMG no caso julgado, embora a procuração fosse expressa quanto aos poderes de alienar bens, não foram conferidos ao mandatário os poderes especiais para vender aquele imóvel específico.
“A outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei, que prevê referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração”, concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROCURAÇÃO. OUTORGA DE PODERES EXPRESSOS PARA ALIENAÇÃO DE TODOS OS BENS DO OUTORGANTE. NECESSIDADE DE OUTORGA DE PODERES ESPECIAIS.1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel cumulada com cancelamento de registro, tendo em vista suposta extrapolação de poderes por parte do mandatário.2. Ação ajuizada em 16⁄07⁄2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 10⁄09⁄2019. Julgamento: CPC⁄2015.3. O propósito recursal é definir se a procuração que estabeleceu ao causídico poderes “amplos, gerais e ilimitados (…) para ‘vender, permutar, doar, hipotecar ou por qualquer forma alienar o(s) bens do(a)(s) outorgante(s)’” atende aos requisitos do art. 661, § 1º, do CC⁄02, que exige poderes especiais e expressos para tal desiderato.4. Nos termos do art. 661, § 1º, do CC⁄02, para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.5. Os poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel).6. No particular, de acordo com o delineamento fático feito pela instância de origem, embora expresso o mandato – quanto aos poderes de alienar os bens do outorgante – não se conferiu ao mandatário poderes especiais para alienar aquele determinado imóvel.7. A outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei que prevê referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração.8. Recurso especial conhecido e provido.
Leia o acórdão.