Defesa deve ser ouvida antes da decretação de prisão em audiência

Ainda que existam motivos válidos para a decretação de prisão durante a audiência, o juiz deve permitir que o advogado de defesa presente à sessão se manifeste, para só depois decidir sobre o pedido de cárcere cautelar formulado pelo Ministério Público. O pronunciamento do advogado pode ser feito oralmente e visa resguardar princípios como o contraditório e a ampla defesa.

O entendimento foi estabelecido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso em habeas corpus de réu que, apesar de não estar presente à audiência de instrução, teve a prisão preventiva decretada pela juíza nesse momento.

Segundo a Defensoria Pública de Minas Gerais, que representava o réu na ocasião, a magistrada que conduzia a audiência indeferiu o pedido de manifestação prévia da defesa por entender que a intervenção não tinha amparo legal. Para a Defensoria, houve cerceamento ilegal do direito de defesa.

Contraditório antecipado

Em voto acompanhado pela maioria dos membros da Sexta Turma, o ministro Rogerio Schietti Cruz reconheceu as dificuldades do exercício de um “contraditório antecipado” por parte do destinatário da ordem judicial de prisão, especialmente em virtude da natureza urgente da medida cautelar e considerando o risco de que o conhecimento prévio do conteúdo da decisão frustre a execução do decreto.

Mesmo assim, o ministro destacou que vários países têm modificado seus códigos de processo penal para introduzir a possibilidade do contraditório em relação às medidas cautelares pessoais, a exemplo da França, da Espanha e da Itália.

Também o Brasil, desde 2011, estabeleceu no artigo 282, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal a necessidade de intimação da parte contrária, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida cautelar.

Autoritarismo

Ao examinar o caso em julgamento sob o prisma do dispositivo do CPP, o ministro Schietti apontou que “beira o autoritarismo a decisão do magistrado que, em uma audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público”.

“Ainda que se tenha como fundamentada a decisão”, acrescentou Schietti, “não vislumbro qualquer justificativa plausível para a conduta judicial de obstruir qualquer pronunciamento da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusadora, como também não identifico nenhum prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do procedimento previsto em lei”.

Para Schietti, o magistrado, ao menos por prudência, deveria oferecer à defesa a chance de se contrapor ao pedido formulado pelo Ministério Público, mesmo porque não havia, no caso específico julgado pelo colegiado, “urgência tal a inviabilizar a adoção da alvitrada providência, que traduz uma regra básica do direito: o contraditório, a bilateralidade da audiência”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM AUDIÊNCIA. PEDIDO DE PRONUNCIAMENTO DA DEFESA INDEFERIDO. AUSÊNCIA DE URGÊNCIA E DE PREJUÍZO AO PROCESSO, A DESAUTORIZAREM A PARTICIPAÇÃO DEFENSIVA.  EXIGÊNCIA DO CONTRADITÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ART. 283, § 3º DO CPP. RECURSO PROVIDO.
1. A reforma do Código de Processo Penal ocorrida em 2011, por meio da Lei nº 12. 403⁄11, deu nova redação ao art. 282, § 3º, do Código, o qual passou a prever que, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.”
2. A providência se mostra salutar em situações excepcionais, porquanto, “[…] ouvir as razões do acusado pode levar o juiz a não adotar o provimento limitativo da liberdade, não só no caso macroscópico de erro de pessoa, mas também na hipótese em que a versão dos fatos fornecida pelo interessado se revele convincente, ou quando ele consiga demonstrar a insubsistência das exigências cautelares” (AIMONETTO, M. G. Le recenti riforme della procedura penale francese – analisi, riflessioni e spunti di comparazione. Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 140).
3. Injustificável a decisão do magistrado que, em audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público, pois não é plausível obstruir o pronunciamento da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusadora, ante a ausência de prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do procedimento previsto em lei.
4. Ao menos por prudência, deveria o juiz ouvir a defesa, para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento, o que não foi feito, mesmo não havendo, neste caso específico, uma urgência tal a inviabilizar a adoção dessa providência, que traduz uma regra básica do direito, o contraditório, a bilateralidade da audiência.
5. Mesmo partindo do princípio de que o decreto preventivo esteja motivado idoneamente, é o caso de o Superior Tribunal de Justiça afirmar a necessidade de que, em casos excepcionais, pelo menos quando decretada em audiência, com a presença do advogado do acusado, seja ele autorizado a falar, concretizando o direito de interferir na decisão judicial que poderá implicar a perda da liberdade do acusado.
6. Recurso provido, para assegurar ao recorrente o direito de responder à ação penal em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, nos termos da lei.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC 75716

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