A decisão que defere a interceptação telefônica – bem como as suas prorrogações – deve conter, obrigatoriamente, com base em elementos do caso concreto, a indicação dos requisitos legais de justa causa e da imprescindibilidade da medida para a obtenção da prova, como determina o artigo 5º da Lei 9.296/1996.
Com esse fundamento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a nulidade de provas reunidas em investigação sobre o comércio ilegal de armas de fogo no bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. O processo foi originalmente distribuído à 6ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio; entretanto, as interceptações telefônicas foram autorizadas no início pela 1ª Vara Criminal de Santa Cruz, da comarca da capital.
Ao todo, foram deferidas 12 medidas judiciais, mas só a partir da sexta a decisão coube ao juízo federal, após o Ministério Público Federal (MPF) constatar a possível prática de tráfico internacional de drogas e contrabando de arma de fogo.
Ao STJ, o réu alegou ofensa aos artigos 2º e 5º da Lei 9.296/1996, em razão da ausência de fundamentação, por parte do juízo estadual, da decisão inicial que determinou a quebra do sigilo telefônico e de suas prorrogações.
Necessidade de fundamentação da quebra de sigilo telefônico
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que o magistrado tem como dever constitucional (artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988), sob pena de nulidade, fundamentar as decisões por ele proferidas. Para o ministro, no caso da interceptação telefônica, a fundamentação da decretação da medida deve ser casuística e não se pode pautar em fundamento genérico.
No caso analisado, Sebastião Reis Júnior apontou que, embora as decisões do juízo federal apresentem motivação válida, a medida inaugural da quebra do sigilo, proferida pela 1ª Vara Criminal de Santa Cruz – assim como as suas subsequentes decisões de prorrogação –, limitou-se a acolher as razões da autoridade policial e do MPF.
“Apesar de haver referência aos fundamentos utilizados na representação da autoridade policial e na manifestação ministerial, esta corte entende ser necessário o acréscimo pessoal pelo magistrado, a fim de indicar o exame do pleito e clarificar suas razões de convencimento”, afirmou.
Nulidade da interceptação contamina as provas derivadas
O ministro ressaltou que as decisões proferidas pela 1ª Vara Criminal de Santa Cruz não apresentaram nenhuma concretude, pois não houve referência à situação apurada na investigação, nem a indicação da natureza do crime ou a demonstração de que as interceptações seriam imprescindíveis para o esclarecimento dos fatos.
“Deve-se considerar eivada de ilicitude a decisão inicial de quebra do sigilo, bem como as sucessivas que deferiram as prorrogações da medida, pois foram fundadas apenas nos pedidos formulados pela autoridade policial, sem nenhuma indicação específica da indispensabilidade da medida constritiva – nulidade que contamina as demais provas colhidas ao longo da investigação e da instrução, pois delas derivadas”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 69, VII, E 84 DO CPP. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTS. 2º E 5º DA LEI N. 9.296/1996. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO PRIMEVA. ILEGALIDADE E CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DERIVADAS. CORRÉUS EM SITUAÇÃO IDÊNTICA. EXTENSÃO. ART. 580 DO CPP.
1. Alegação de violação dos arts. 69, VII, e 84 do Código de Processo Penal. Incidência da Súmula 282/STF. Os dispositivos tidos por violados não tiveram o competente juízo de valor aferido, no caso concreto, pelo Tribunal de origem. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há de se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre a tese jurídica desenvolvida em torno dos dispositivos legais tidos por vulnerados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre a questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal. No caso, os referidos dispositivos não foram suscitados pela defesa em sede de apelação, muito menos na via dos embargos de declaração, tendo sido apenas levantados nas razões do recurso especial.
2. É exigida, não só para a decisão que defere a interceptação telefônica, como também para as sucessivas prorrogações, a concreta indicação dos requisitos legais de justa causa e imprescindibilidade da prova, que, por outros meios, não pudesse ser feita, conforme determina o art. 5º da Lei n. 9.296/1996.
3. Diante da ausência de fundamentação concreta e válida, deve-se considerar eivada de ilicitude a decisão inicial de quebra do sigilo, bem como as sucessivas que deferiram as prorrogações da medida, pois fundadas apenas nos pedidos formulados pela autoridade policial, sem nenhuma indicação específica da indispensabilidade da medida constritiva.
4. Nulidade que contamina as demais provas colhidas ao longo da investigação e da instrução, pois delas derivadas.
5. Extensão dos efeitos do julgado aos demais corréus, por força do art. 580 do Código de Processo Penal. Prejudicadas as demais alegações trazidas no recurso especial, bem como nos recursos dos corréus.
6. Agravo regimental provido para conhecer do agravo e conhecer em parte do recurso especial de Rafael Pereira Nobre, dando-lhe parcial provimento, para anular o processo desde a sentença e reconhecer a ilicitude da autorização judicial deferida nos autos do Processo n. 00025823-68.2010.8.19.0206 e suas prorrogações, bem como das demais provas delas derivadas, devendo o Juízo singular proferir nova sentença, sem a utilização das provas anuladas, com extensão aos demais corréus Carlos Rocha Xavier, Suzana Dias, Cláudio Drehmer, Reinaldo Lima de Oliveira, Vanderlei Barboza da Silva, Flávio de Medeiros Cruz, Michelle Azeredo da Silva, Bianca do Nascimento Menezes e Fábio Júnior de Melo, por força do art. 580 do Código de Processo Penal.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 1360839
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