Condição de “mula” não expressa participação em organização criminosa, decide 2ª Turma

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (3), que o reconhecimento da condição de “mula” ou “avião” (pessoa que faz o transporte de droga) não significa, necessariamente, que o agente integre organização criminosa. Em decisão unânime, o colegiado concedeu Habeas Corpus (HC 131795) para seja aplicada à dosimetria da pena de uma condenada por tráfico de drogas a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). O dispositivo prevê que a pena pode ser reduzida de um sexto a dois terços quando o réu for primário, tiver bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa.

De acordo com os autos, D.C.C foi condenada em primeira instância à pena de 6 anos, 3 meses e 29 dias de reclusão, em regime fechado, pelo crime de tráfico internacional de drogas. Após julgamento de recursos pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), a sanção foi redimensionada para 4 anos, 10  meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto. Ambas as instâncias reconheceram ser hipótese de aplicação da causa de diminuição da pena, diante da ausência de provas de que a ré pertencia a organização criminosa. Consideraram que quem pratica, por si só, a conduta de “mula”, não pertence, necessariamente, a grupo criminoso. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso especial, considerou que a simples circunstância de transportar a droga indica pertencimento a organização criminosa e, portanto, não estariam preenchidos os requisitos para a aplicação da causa de diminuição de pena prevista na Lei 11.343/2006.

No STF, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu a concessão do HC para aplicar à pena da condenada a redução entre um sexto a dois terços, sob o argumento de que, além de ser ré primária e possuir bons antecedentes, D.C.C não integra organização criminosa.

O relator do HC, ministro Teori Zavascki, votou nesta terça-feira (3) pela concessão do HC. De acordo com ele, o tema já foi objeto de questionamento no STF. Ele citou o voto do ministro Ayres Britto (aposentado) no julgamento do HC 101265, no sentido de que o fato de atuar como “mula” não configura, isoladamente, participação em grupo criminoso.

Por unanimidade, os ministros concederam o pedido e reconheceram ser cabível a aplicação da causa de diminuição de pena, restabelecendo o acórdão do TRF-3.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO. TRANSPORTE DE DROGA. EXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA CONDUTA. ATUAÇÃO DA AGENTE SEM INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 1. A não aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 pressupõe a demonstração pelo juízo sentenciante da existência de conjunto probatório apto a afastar ao menos um dos critérios – porquanto autônomos –, descritos no preceito legal: (a) primariedade; (b) bons antecedentes; (c) não dedicação a atividades criminosas; e (d) não integração à organização criminosa. Nesse juízo, não se pode ignorar que a norma em questão tem a clara finalidade de apenar com menor grau de intensidade quem pratica de modo eventual as condutas descritas no art. 33, caput e § 1º, daquele mesmo diploma legal em contraponto ao agente que faz do crime o seu modo de vida, razão pela qual, evidentemente, não estaria apto a usufruir do referido benefício. 2. A atuação da agente no transporte de droga, em atividade denominada “mula”, por si só, não constitui pressuposto de sua dedicação à prática delitiva ou de seu envolvimento com organização criminosa. Impõe-se, para assim concluir, o exame das circunstâncias da conduta, em observância ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF). 3. Assim, padece de ilegalidade a decisão do Superior Tribunal de Justiça fundada em premissa de causa e efeito automático, sobretudo se consideradas as premissas fáticas lançadas pela instância ordinária, competente para realizar cognição ampla dos fatos da causa, que revelaram não ser a paciente integrante de organização criminosa ou se dedicar à prática delitiva. 4. Ordem concedida.

 

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