A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a condenação ao pagamento do consumo mínimo pactuado na cláusula take or pay não dá ao comprador o direito de receber o produto correspondente após o período contratual para utilização. Para o colegiado, o pagamento do consumo mínimo não confere ao comprador o direito de, no mês seguinte, obter o volume de gás que deixou de consumir no período anterior, e pelo qual teve de pagar.
Na origem do recurso analisado pela turma, foi ajuizada ação de cobrança por uma empresa fornecedora de gás natural comprimido, em razão do descumprimento da obrigação de pagar convencionada em contrato de compra e venda do tipo take or pay.
Conforme o processo, a empresa consumidora do produto havia assumido a obrigação de pagar um valor mínimo relativo a certa quantidade de gás. Entretanto, ela deixou de consumir o produto e de pagar o montante devido, mesmo após tratativas para a quitação da dívida.
O juízo condenou a ré a pagar o valor devido, mais juros de mora e correção monetária, podendo compensar os valores já pagos. Além disso, o magistrado assegurou à ré o recebimento do produto correspondente ao valor pago, mesmo após o período em que ele deveria ter sido utilizado, sob pena de enriquecimento sem causa da autora da ação. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a sentença.
Cláusula apresenta vantagens para todas as partes
Relatora do caso no STJ, a ministra Nancy Andrighi explicou que a cláusula take or pay obriga o comprador a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja utilizado. Segundo apontou, “uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizados, independentemente da flutuação da sua demanda”.
A relatora destacou que, apesar de não inserida no ordenamento jurídico brasileiro, essa prática está comumente presente em contratos de prestação continuada de fornecimento de produtos. De acordo com a ministra, a inserção dessa cláusula no contrato proporciona ao fornecedor segurança para investir e atender à demanda do adquirente, enquanto este se beneficia ao pagar um preço menor pelo produto.
“Se houver aquisição da quantidade mínima estipulada ou de quantidade superior a ela, o preço a ser pago corresponderá à demanda efetivamente consumida, não se aplicando a cláusula take or pay“, completou.
Fornecimento do que não foi consumido inutilizaria a cláusula
Nancy Andrighi afirmou que, mesmo não consumindo a quantidade mínima de produto disponibilizada pelo vendedor no período ajustado, o comprador terá de pagar o valor estipulado na cláusula. Ela ressaltou que, nesse modelo contratual, o comprador assume o risco da oscilação da demanda e, em contrapartida, será beneficiado com um preço menor.
“Por se tratar de um contrato de trato sucessivo, no período subsequente, ela não terá direito ao recebimento da diferença entre o volume mínimo, pela qual pagou, e a quantia efetivamente consumida”, completou a ministra ao apontar que a desconsideração do risco assumido pela adquirente acarretaria a ineficácia da cláusula take or pay.
Com esse entendimento, foi dado provimento parcial ao recurso para afastar a obrigação imposta à fornecedora de entregar o volume de gás correspondente ao valor mínimo efetivamente pago.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE GÁS NATURAL. CLÁUSULA DE TAKE OR PAY. CONTRATO DE TRATO SUCESSIVO. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR POR CONSUMO MÍNIMO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. DIREITO AO RECEBIMENTO, NO PERÍODO SUBSEQUENTE, DA DIFERENÇA ENTRE A QUANTIDADE EFETIVAMENTE CONSUMIDA E O VOLUME MÍNIMO DE GÁS CONVENCIONADO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.1. Ação de cobrança ajuizada em 01⁄10⁄2010, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14⁄09⁄2021 e concluso ao gabinete em 17⁄03⁄2021.2. O propósito recursal consiste em dizer a) sobre a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; b) se a condenação ao pagamento do consumo mínimo pactuado na cláusula de take or pay confere ao devedor o direito ao recebimento do produto correspondente e c) acerca dos honorários recursais.3. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, as questões a ele devolvidas, aplicando o direito que entende cabível à espécie.4. A cláusula take or pay consiste em disposição contratual por meio da qual o comprador se obriga a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja entregue ou consumido. Isto é, uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizada, independentemente da flutuação da sua demanda. São duas as principais finalidades dessa cláusula: alocar riscos entre as partes e garantir o fluxo de receitas para o vendedor. Essa espécie de cláusula negocial é comumente inserida em contratos de prestação continuada, nos quais as obrigações renovam-se periodicamente.5. Considerando que a obrigação de disponibilizar o volume mínimo de gás estipulado e a correspondente obrigação da parte adquirente de pagar por essa quantia, ainda que não consumida, se renovam periodicamente, o pagamento do consumo mínimo não confere à compradora o direito de, no período subsequente, obter o volume de gás correspondente à diferença entre a demanda disponibilizada e aquela efetivamente consumida.6. A majoração dos honorários recursais pressupõe o preenchimento dos seguintes pressupostos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18⁄03⁄2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso. Precedentes. Assim, se a parte não sucumbiu na sua pretensão e, por isso, não foi condenada ao pagamento de honorários de sucumbência, não há que se falar em honorários sucumbenciais.7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
Leia o acórdão no REsp 2.048.957.