CDC não se aplica a contratos de empréstimo para capital de giro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não pode ser aplicado à relação jurídica oriunda da contratação de empréstimo para estímulo de atividade empresarial.

A controvérsia teve origem em ação revisional de empréstimos para capital de giro ajuizada por uma empresa contra uma cooperativa de crédito, com o objetivo de rever os encargos convencionados em cédulas de crédito bancário. No curso da ação, a pedido da autora e com fundamento no artigo 6º, inciso VIII, do CDC, o juízo de primeiro grau determinou a inversão do ônus da prova.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), ao manter a decisão, concluiu pela incidência da proteção do CDC, sob o fundamento de que a legislação consumerista é aplicável às cooperativas de crédito, que se equiparam às instituições financeiras. Segundo o TJMT, a teoria finalista mitigada permitiria considerar consumidora a pessoa física ou jurídica que, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, comprove sua vulnerabilidade.

Ao STJ, a cooperativa sustentou que a autora da ação não pode ser considerada destinatária final do serviço, uma vez que o contrato de capital de giro tem como finalidade exclusiva o estímulo para aquisição de insumos e pagamento de despesas empresariais.

Processo não traz prova de vulnerabilidade

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que o STJ possui orientação no sentido de que o CDC se aplica às cooperativas de crédito, na medida em que elas integram o Sistema Financeiro Nacional e, portanto, são equiparadas às instituições financeiras.

A magistrada destacou, entretanto, que, embora a recorrente seja uma cooperativa de crédito, a recorrida não pode ser considerada consumidora, pois a aplicação do CDC à relação entre elas exigiria a demonstração de que há determinada vulnerabilidade capaz de colocar a sociedade empresária contratante em situação de desvantagem ou desequilíbrio diante da contratada – o que não ficou comprovado no processo.

Objetivo do financiamento era incrementar atividade lucrativa

Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com os autos, foi contratado financiamento bancário para capital de giro, destinado a incrementar atividade produtiva e lucrativa, o que impede o enquadramento da empresa contratante no conceito de consumidora.

A relatora apontou que, nos termos da jurisprudência do STJ, o CDC é inaplicável na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Segundo a magistrada, não se pode admitir, portanto, a aplicação do CDC a contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para obtenção de capital de giro.

“Inexistindo relação de consumo entre as partes, mas, sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)”, concluiu a magistrada ao dar provimento ao recurso especial da cooperativa de crédito.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO. PESSOA JURÍDICA. MÚTUO PARA FOMENTO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. EMPRESA NÃO DESTINATÁRIA FINAL DO SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE NÃO PRESUMIDA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Ação revisional de contrato bancário ajuizada em 24⁄08⁄2021, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 23⁄02⁄2022 e concluso ao gabinete em 01⁄06⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em dizer se o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica firmada entre as litigantes, oriunda de contratação de empréstimo para fomento de atividade empresarial.
3. Nos termos da jurisprudência do STJ, é inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Precedentes. Não há que se falar, portanto, em aplicação do CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro.
4. Dessa maneira, inexistindo relação de consumo entre as partes, mas sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (art. 6º, inc. VIII, do CDC).
5. A aplicação da Teoria Finalista Mitigada exige a comprovação de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e⁄ou informacional, a qual não pode ser meramente presumida. Nesta sede, porém, não se pode realizar referida análise, porquanto exigiria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 7⁄STJ).
6. Afasta-se a aplicação de multa, uma vez que não configura intuito protelatório ou litigância de má-fé a mera interposição de recurso legalmente previsto.
7. Recurso especial conhecido e provido.

Leia o acórdão no REsp 2.001.086.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2001086

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