Atuação em delação premiada não impede magistrado de julgar ação penal

O fato de um juiz homologar acordo de colaboração premiada e tomar os respectivos depoimentos não é motivo suficiente para que se reconheça seu impedimento para processar e julgar ação penal contra pessoa citada na delação.

Segundo os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que o ordenamento jurídico não permite é a participação do magistrado na negociação do conteúdo da delação.

Ao rejeitar pedido feito pelo doleiro Paulo Roberto Krug, a turma afirmou que a atuação do juiz federal Sérgio Moro ao homologar delações do caso Banestado não configurou seu impedimento, de acordo com o que está previsto no artigo 252 do Código de Processo Penal (CPP).

Contatos sigilosos

O recurso foi interposto após condenação do doleiro no âmbito da operação que investigou crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo o Banestado, no período de 1999 a 2002.

Paulo Roberto Krug foi condenado por Sérgio Moro a 11 anos e nove meses pelo envolvimento no caso (pena posteriormente reduzida em segunda instância) e buscou anular sua condenação com a tese de que o magistrado estaria impedido e, portanto, não poderia ter julgado a ação.

Segundo a defesa, Sérgio Moro participou dos acordos de delação premiada de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires e teve contato com os delatores em procedimento sigiloso, feito antes mesmo da distribuição formal dos autos. Esse conjunto de fatos tornaria o juiz impedido para atuar na subsequente ação penal, que culminou com a condenação de Krug, entre outros réus.

Situações taxativas

Para o relator do caso no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, os casos de impedimento de magistrado estão dispostos de forma taxativa no artigo 252 do CPP. De acordo com o ministro, os argumentos trazidos pela defesa não se enquadram em nenhuma das hipóteses da lei.

O ministro explicou que a atuação do juiz nas delações foi verificar a legalidade, validade e voluntariedade dos acordos, e mesmo o ato de determinar a juntada de documentos não extrapolou os limites legais, porque teve o objetivo de complementar a atividade probatória das partes, sem prejuízo para a defesa.

“Não faz presumir que tenha desempenhado (o juiz) função equivalente à de um membro do Ministério Público Federal ou delegado da Polícia Federal, ao revés, sua atuação decorrera de imposição legal para fins de homologação do acordo de colaboração premiada a fim de constatar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, sem a qual o respectivo acordo não surtiria os efeitos almejados pelos colaboradores”, explicou o relator.

Imparcialidade preservada

O ministro lembrou que o fato de o juiz ter homologado a delação premiada não compromete sua imparcialidade, pois sua intervenção não ocorreu em processo antecedente instaurado contra o réu e ele não emitiu juízo de valor sobre as acusações naquele momento.

Se assim fosse, disse o ministro, “processos conexos onde houvesse confissão espontânea e delação de corréus não poderiam jamais ser julgados pelo magistrado, implicando causa obrigatória de separação de processos”, em desconformidade com o artigo 79 do CPP.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ARTIGOS 4º DA LEI N. 7.492/1986 E 1º, VI, DA LEI N. 9.613/1998. MAGISTRADO QUE HOMOLOGA ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 252 DO CPP. HIPÓTESES TAXATIVAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS NO CURSO DA AÇÃO PENAL. DETERMINAÇÃO JUDICIAL EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. As causas de impedimento do Magistrado para o processamento e julgamento da causa são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo, previstas, taxativamente, no artigo 252 do Código de Processo Penal. 3. Nesse diapasão: a) não é possível interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público ( HC 92893, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2008, DJe de 11/12/2008); b) não se pode ampliar o sentido do inciso III de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual ou em sede de procedimento de delação premiada em ação conexa desempenha funções em outra instância (o desempenhar funções em outra instância é entendido aqui como a atuação do mesmo magistrado, em uma mesma ação penal, em diversos graus de jurisdição) – HC 97553, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, DJe de 09/09/2010.
4. Na hipótese vertente, não houve exteriorização de qualquer juízo de valor acerca dos fatos ou das questões de direito emergentes na fase preliminar que impeça o Juiz oficiante de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. O acórdão impugnado considerou que a participação do magistrado restringiu-se à homologação do acordo de delação premiada e a sentença consignou que os depoimentos dos delatores não haviam sido isoladamente considerados para embasar a condenação.
5. Em resumo, a homologação do acordo de colaboração premiada pelo Magistrado não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas declarações prestadas pelos colaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do CPP. Precedentes.
6. Em obediência ao princípio da busca da verdade real e pela adoção do sistema de persuasão racional do juiz, é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio, desde que de forma complementar à atividade probatória das partes. No caso, o juiz, conhecedor de elementos probatórios constantes de outras ações penais conexas à presente, e que poderiam suprir dúvidas existentes nos autos sobre pontos relevantes para o julgamento da causa, determinou a sua juntada ao procedimento criminal, com a reabertura de prazo às partes para manifestação.
Inteligência dos arts. 156, II e 502 da Lei Adjetiva Penal.
7. Habeas corpus não conhecido.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 221231

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