A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que fixou em R$ 10 mil indenização por danos morais em virtude de atraso na entrega de imóvel comprado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Na decisão, o colegiado levou em consideração a situação de baixa renda da família que aguardava o imóvel, além do descumprimento do prazo original de entrega previsto no contrato e da sua prorrogação.
Em setembro, em julgamento de recurso repetitivo, a Segunda Seção fixou uma série de teses sobre o atraso de imóveis no âmbito do programa, incluindo o reconhecimento do prejuízo presumido do comprador que não recebe o bem no prazo contratual, o que gera direito ao pagamento de indenização na forma de aluguel mensal.
No caso analisado pela turma, o contrato de compra foi celebrado em 2014 e previa a entrega das chaves em 2016 – prazo que não foi cumprido. Durante o processo, a construtora, a Caixa Econômica Federal e os compradores firmaram acordo judicial para a entrega das unidades em 2017, porém esse trato também foi descumprido.
Ofensa anormal
O juiz de primeira instância julgou procedente o pedido de indenização por danos morais, mas o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) reformou a sentença por entender que, apesar do atraso, o prazo de tolerância foi prorrogado com a anuência dos adquirentes, e, ademais, não constou dos autos prova de evento que pudesse ter causado ofensa à imagem dos compradores ou perturbações que desencadeassem alterações psíquicas, emocionais ou afetivas significativas.
Para o TRF5, o mero descumprimento contratual pode acarretar prejuízos materiais a serem ressarcidos, mas não dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade.
Realização de vida
Relator do recurso especial do comprador, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino lembrou que, de fato, a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de entender o atraso na entrega do imóvel como mero dissabor, de forma que esse fato, individualmente, não é apto a ensejar indenização por danos morais.
Por outro lado, o relator entendeu ser necessário distinguir a situação das famílias de baixa renda, para as quais a aquisição da casa própria tem um significado muito mais expressivo em termos de realização pessoal do que para as pessoas mais abastadas. O relator também apontou que o direito à moradia ganhou status constitucional a partir da Emenda 26/2000.
Além disso, Sanseverino destacou que a Lei 11.977/2009, ao instituir o programa, estabeleceu que as faixas de renda mais baixas são beneficiadas com a compra de imóvel mediante subvenção econômica – como no caso do autor da ação –, o que também evidencia a magnitude da importância da casa própria para o bem-estar dessas famílias.
Nesse contexto, o ministro entendeu que, para tais famílias, o atraso por tempo significativo (mais de 12 meses) na entrega do imóvel não significa apenas inadimplemento contratual, mas a postergação de uma realização de vida – normalmente, a mais significativa em termos patrimoniais.
Quanto à prorrogação do prazo de tolerância por meio de acordo, o ministro entendeu, diversamente do TRF5, que esse fato só agrava a responsabilidade da incorporadora, pois o novo prazo previsto no acordo também foi descumprido, frustrando, mais uma vez, a expectativa dos compradores.
“Esse sentimento de frustração, a meu juízo, produz abalo psíquico em intensidade superior ao abalo decorrente do mero inadimplemento contratual, dando ensejo à obrigação de indenizar os danos morais experimentados pelos adquirentes”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”. LONGO ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. PRORROGAÇÃO DO PRAZO MEDIANTE ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO NA ESPÉCIE.1. Controvérsia acerca das consequências do atraso na entrega de um imóvel financiado pelo programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, com subvenção econômica estatal.2. Cabimento de indenização por danos morais em virtude do longo atraso na entrega do imóvel (mais de doze meses após o período de tolerância) por se tratar de imóvel adquirido por família de baixa renda no âmbito do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, com auxílio estatal por meio de subvenção econômica. Julgado anterior desta TURMA.3. Existência de acordo, homologado judicialmente, mediante o qual se prorrogou o prazo de entrega do imóvel para além do período contratual de tolerância.4. Descumprimento do acordo pelas demandadas, não tendo sido concluída a obra no novo prazo pactuado.5. Circunstância agravante da culpa das demandadas, intensificando o abalo psíquico sofrido pelos adquirentes.6. Cabimento da indenização por danos morais na espécie.7. Restabelecimento dos comandos da sentença, em que a indenização fora arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que se mostra adequado aos parâmetros de razoabilidade adotados por esta Corte Superior em casos semelhantes.8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Leia o acórdão.