A relação do representante com a empresa é de natureza civil.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) afastou a competência da Justiça do Trabalho para julgar a ação de um representante comercial, residente em Jaru (RO), contra a WB Componentes Automotivos, com sede em Goiânia (GO), para a qual ele prestava serviços. O colegiado seguiu a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), que não reconhece a existência de relação de trabalho em situações como a do processo, mesmo quando se trata de representante comercial pessoa física.
Dívida com a empresa
Na ação, o representante declarou que trabalhou para a WB Componentes Automotivos, de 25/10/2016 a 23/04/2019, na função de representante comercial dos produtos da linha automotiva da empresa nas regiões de Ouro do Oeste e Ariquemes, em Rondônia.
Contou que sofreu um acidente de trânsito que danificou totalmente o seu veículo utilizado para o serviço, por isso a empresa lhe vendera um automóvel (FIAT Uno/Way 1.0) para que ele pudesse continuar exercendo suas atividades.
O valor total do negócio foi de R$ 41 mil, tendo sido acertado o pagamento de R$ 5 mil de entrada e mais 48 parcelas fixas de R$ 750,00, a serem descontadas diretamente na folha de pagamento do profissional. Segundo ele, a empresa ainda teria descontado 14 parcelas da dívida, totalizando R$10.500,00, até o seu pedido de afastamento do serviço.
O trabalhador alegou que o veículo foi retido pela WB Componentes, sem que ele pudesse negociar as parcelas devidas ou fosse reembolsado pelos valores já pagos, incluindo o IPVA. Nessas condições, pediu o ressarcimento da quantia paga com a devida correção monetária, além de indenização por danos morais, em decorrência dos prejuízos sofridos.
Incompetência da Justiça do Trabalho
Em defesa, a WB Componentes Automotivos argumentou que, na reclamação, não havia debate acerca de relação de emprego, vínculo ou qualquer relação afeta ao trabalho, por isso a Justiça do Trabalho não poderia julgar a causa. Afirmou que, nas situações em que se discute relações contratuais de caráter civil, a competência para apreciar a matéria é da Justiça Comum Estadual.
Provas juntadas
O Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO/AC) confirmou a decisão da Vara do Trabalho de Jaru (RO) no sentido de que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar a demanda, pois não haveria elementos para corroborar a natureza cível da demanda. O TRT também manteve a condenação da empresa em restituir os valores quitados pelo representante comercial referentes ao veículo (R$15.000,00) e pagar indenização por danos morais (R$13.997,79), visto que os documentos juntados ao processo comprovaram as alegações do representante.
Decisão do STF
Ao examinar o recurso de revista da empresa, o ministro Alberto Balazeiro, relator, esclareceu que o entendimento do TST era de que a atividade exercida pelo representante comercial pessoa física estava inserida no conceito de relação de trabalho em sentido amplo, cabendo à Justiça do Trabalho dirimir os litígios decorrentes desse tipo de relação.
Isso em razão de a Emenda Constitucional nº 45/2004, no seu artigo 114, inciso I, ter ampliado as matérias de competência da Justiça do Trabalho, antes restritas às relações de emprego, para o conceito mais genérico de relação de trabalho.
Contudo, destacou o relator, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 606003, em 2020, concluiu que não existe relação de trabalho na hipótese de disputa entre representante comercial pessoa física e representado.
Na ocasião, o STF definiu que, mesmo após a entrada em vigor da EC nº 45/2004, prevalece a competência da Justiça Comum, nos termos da Lei nº 4.886/1965, uma vez que estaria configurada a relação comercial de natureza civil entre as partes.
A Lei nº 4.886/1965, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, estabelece, no seu artigo 39, a competência da Justiça Comum para julgar as controvérsias entre representante e representado.
O ministro Balazeiro votou no sentido de reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso, anular as condenações da empresa e determinar o envio do processo para a Justiça Comum do Estado de Rondônia.
O recurso ficou assim ementado:
I. AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . COMPETÊNCIA. REPRESENTANTE COMERCIAL. JUSTIÇA COMUM. TEMA 550 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Diante da possibilidade de ofensa ao art. 114, I e IX, da Constituição Federal, o agravo deve ser provido a fim de se analise o agravo de instrumento.
Agravo provido.
II) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – REGÊNCIA PELAS LEIS NS. 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA. REPRESENTANTE COMERCIAL. JUSTIÇA COMUM. TEMA 550 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tendo em vista a possibilidade de violação do art. 114, I e IX, da Constituição Federal, cumpre dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido .
III) RECURSO DE REVISTA – REGÊNCIA PELAS LEIS NS. 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA. REPRESENTANTE COMERCIAL. JUSTIÇA COMUM. TEMA 550 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 550 da Tabela de Repercussão Geral, firmou o entendimento de que mesmo na hipótese de representante comercial pessoa física não haveria relação de trabalho e que , por essa razão , a competência para dirimir os litígios que envolvam esse tipo de relação seria da Justiça Comum, e não desta Justiça Especializada. Nesse sentido fixou a seguinte tese no mencionado tema: ” Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes “. Constatado ser incontroverso nos autos que a relação existente entre o reclamante e a reclamada é de representação comercial, bem como que o pedido e a causa de pedir estão vinculados a essa relação, fica evidenciada a incompetência da Justiça do Trabalho , em razão do entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE 606003 (Tema 550 da Tabela de Repercussão Geral). Recurso de revista conhecido e provido
Por unanimidade, a Terceira Turma acompanhou o voto do relator.
Processo: RR-285-65.2019.5.14.0081