Terceira Turma admite embargos de terceiro com caráter preventivo

Embora não se trate de ato de efetiva constrição judicial, a averbação da existência de processo executivo sobre determinado bem, conforme prevê o artigo 615-A do Código de Processo Civil de 1973, implica para o terceiro proprietário ou possuidor do bem o justo receio de apreensão judicial, o que autoriza, nessas situações, a oposição dos embargos de terceiro.

O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi fixado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que julgou extintos embargos de terceiro com base na inexistência de ato de apreensão judicial ou de ameaça à posse da parte embargante.

“Em que pese a literalidade do artigo 1.046, caput, do CPC/73, é imperativo admitir a oposição de embargos de terceiro preventivamente, isto é, quando o ato judicial, apesar de não caracterizar efetiva apreensão do bem, ameaçar o pleno exercício da posse ou do direito de propriedade pelo terceiro alheio ao processo”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Os embargos foram opostos por empresa devido à averbação de execução de título extrajudicial no registro de veículo de sua propriedade. O veículo foi comprado de outra empresa, apontada como devedora nos autos de execução.

Em primeira instância, os embargos foram acolhidos, com a consequente determinação de levantamento de anotação no registro do carro. Todavia, o TJRS julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que a mera existência de averbação não implica, por si só, o reconhecimento de justo receio de ameaça à posse da empresa.

Tutela preventiva

A ministra Nancy Andrighi explicou que, no Código de Processo Civil de 1973, o cabimento dos embargos era regulado pelos artigos 1.046 e 1.047, que previam a admissibilidade dos embargos para a defesa de um bem objeto de apreensão judicial, em um processo no qual o terceiro (possuidor do bem) não tem a qualidade de parte, ou no qual o bem não integra o objeto da disputa, apesar de o terceiro figurar como parte processual.

“Numa primeira leitura, o caput do artigo 1.046 parece de fato sugerir, consoante entendeu o acórdão recorrido, que a admissibilidade dos embargos pressuporia ato de efetiva constrição judicial do bem de propriedade ou sob a posse de terceiro. No entanto, essa interpretação literal e restrita não se coaduna com os postulados da efetividade e da inafastabilidade da jurisdição na hipótese de lesão ou ameaça de lesão a direito”, ponderou a relatora.

A ministra lembrou que o ordenamento jurídico brasileiro assegura aos jurisdicionados a tutela preventiva (ou inibitória), visando evitar a prática de ato ilícito. Nessas hipóteses, apontou a ministra, a verificação de dano não se constitui como condicionante à prestação jurisdicional.

No caso dos autos, a relatora apontou que, apesar de não ter havido a efetiva constrição judicial, a averbação da ação pelo credor visa assegurar que o bem possa responder à execução, mediante futura penhora, ainda que seja alienado ou onerado pelo devedor – esse último ato poderia inclusive ser considerado ineficaz em relação ao credor, havendo presunção de fraude à execução.

“Essa circunstância é suficiente para reconhecer o justo receio do terceiro em ser molestado na posse do bem indevidamente arrolado em processo de execução alheio, autorizando, destarte, o manejo dos embargos de terceiro. O interesse de agir se revela na ameaça de lesão ao direito de propriedade do terceiro”, concluiu a ministra ao afastar a preliminar de ausência de interesse de agir da parte embargante.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CPC⁄1973. EMBARGOS DE TERCEIRO. AVERBAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO NO REGISTRO DE VEÍCULO PERTENCENTE A TERCEIRO. JUSTO RECEIO DE INDEVIDA TURBAÇÃO NA POSSE. INTERESSE DE AGIR VERIFICADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
1. Embargos de terceiro opostos em 23⁄08⁄2013. Recurso especial interposto em 05⁄08⁄2015 e atribuído a esta Relatora em 25⁄08⁄2016. Aplicação do CPC⁄73.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a oposição de embargos de terceiro preventivos, isto é, antes da efetiva constrição judicial sobre o bem. Hipótese em que foi averbada a existência de ação de execução no registro de veículo de propriedade e sob a posse de terceiro.
3. Os embargos de terceiro constituem ação de natureza contenciosa que tem por finalidade a defesa de um bem objeto de ameaça ou efetiva constrição judicial em processo alheio.
4. Em que pese a redação do art. 1.046, caput, do CPC⁄73, admite-se a oposição dos embargos de terceiro preventivamente, isto é, quando o ato judicial, apesar de não caracterizar efetiva apreensão do bem, configurar ameaça ao pleno exercício da posse ou do direito de propriedade pelo terceiro.
5. Sendo promessa constitucional a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF⁄88), o direito processual reconhece a viabilidade da tutela preventiva, tradicionalmente chamada de inibitória, para impedir a prática de um ato ilícito, não se condicionando a prestação jurisdicional à verificação de um dano.
6. A averbação da existência de uma demanda executiva, na forma do art. 615-A do CPC⁄73, implica ao terceiro inegável e justo receio de apreensão judicial do bem, pois não é realizada gratuitamente pelo credor; pelo contrário, visa assegurar que o bem possa responder à execução, mediante a futura penhora e expropriação, ainda que seja alienado ou onerado pelo devedor, hipótese em que se presume a fraude à execução.
7. Assim, havendo ameaça de lesão ao direito de propriedade do terceiro pela averbação da execução, se reconhece o interesse de agir na oposição dos embargos.
8. “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios” (Súmula 303⁄STJ).
9. Recurso especial conhecido e provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1726186

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