A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual a teoria do juízo aparente é aplicável para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial, quando autorizadas por magistrado aparentemente competente.
O caso julgado teve origem em investigação de supostos desvios de recursos públicos em contrato de gestão firmado entre uma organização social e um município, para que a entidade administrasse hospital municipal utilizando recursos provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo os autos, durante o inquérito, a Polícia Civil requereu medidas judiciais de quebra de sigilo fiscal e de dados, interceptação telefônica, prisão preventiva, sequestro de bens e busca e apreensão. A prisão foi indeferida pelo juiz, e as outras medidas foram cumpridas pela polícia.
Um dos investigados, em habeas corpus, alegou a incompetência da Justiça estadual para a aplicação das medidas cautelares, sob o argumento de que as verbas transferidas pelo SUS aos entes federados, embora incorporadas aos respectivos fundos, não deixam de ser federais, o que determinaria automaticamente a competência da Justiça Federal. Assim, seriam nulas as provas colhidas por ordem do juízo incompetente.
O pedido não foi conhecido pelo tribunal estadual, o qual consignou que não seria o habeas corpus meio adequado para discutir a questão. Ao STJ, a defesa reforçou os mesmos argumentos.
Atos processuais praticados devem ser avaliados pelo juízo competente
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, ponderou que, de fato, a jurisprudência do STJ tem entendido que a ocorrência de desvio de verbas do SUS atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão da União nesse caso.
Entretanto, destacou o ministro, ainda que se reconheça a incompetência do juízo estadual, os atos processuais até então praticados devem ser avaliados pelo juízo competente, para que ele decida se os valida ou não.
“Nesta Corte Superior de Justiça, é pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial, quando autorizadas por juízo aparentemente competente”, afirmou.
Ribeiro Dantas citou precedentes nos quais a Primeira e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que, devido à aplicação dessa teoria no processo investigativo, as provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou da produção podem ser ratificadas posteriormente, mesmo que se reconheça a incompetência do juízo.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS DO SUS. INCOMPETÊNCIA. RECONHECIMENTO. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. AVALIAÇÃO DA VALIDADE DA PROVA. ATRIBUIÇÃO DO JUIZ FEDERAL. AGRAVO PROVIDO.
1. Conforme se percebe em pesquisa, na jurisprudência desta Corte, tem-se entendido, de maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde – SUS – atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal.
2. Não obstante o reconhecimento da incompetência do Juízo estadual, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não aqueles atos até então praticados.
Aplicação da Teoria do Juízo Aparente.
3. Agravo regimental provido, para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual e determinar a remessa do feito à Justiça Federal.
Leia o acórdão no RHC 156.413.