A decisão de suspensão dos documentos foi considerada excessiva pela SDI-2
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho liberou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o passaporte de dois sócios da HJ Distribuidora de Alimentos Ltda., de Simões Filho (BA), que haviam sido suspensos por decisão do juízo de primeiro grau. A medida fora adotada depois de tentativas frustradas de execução das dívidas trabalhistas dos sócios, mas, para o colegiado, ela não contribuiria para a satisfação do crédito e teria caráter meramente punitivo.
Acordo não pago
Numa reclamação trabalhista ajuizada em 2016, a empresa havia firmado acordo para o pagamento parcelado de R$ 5 mil a uma ex-empregada. Apesar de algumas parcelas terem sido pagas, a empresa disse que não teve condições de quitar todo o débito e, em razão de crise financeira, suas atividades foram encerradas.
A trabalhadora, por sua vez, argumentou que os sócios executados tinham carro de alto padrão e haviam negociado imóvel de quase R$ 7 milhões na capital baiana.
Diante do não pagamento da dívida, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Simões Filho determinou a suspensão da CNH e do passaporte dos empresários, que impetraram, então, mandado de segurança alegando que a medida violava garantias constitucionais.
Execução frustrada
O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) manteve a decisão, tendo em vista as tentativas frustradas, desde 2017, de encontrar bens passíveis de penhora para a execução da sentença. O TRT observou que os sócios não cumpriram o acordo nem indicaram meios menos onerosos e mais eficazes para a quitação da dívida.
Medida punitiva
Quando o caso foi analisado na SDI-2, o relator, ministro Alberto Balazeiro, ressaltou que, de fato, o artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC) autoriza o juiz a determinar as medidas necessárias para o cumprimento do comando judicial, entre elas a suspensão de CNH e de passaporte, desde que a medida tenha por objetivo alcançar a satisfação do título executivo. Isso significa que a retenção dos documentos pode ser autorizada se ficar demonstrado que os devedores têm patrimônio para saldar a dívida, mas se furtam de fazê-lo, por meios ardilosos. Se não têm bens para pagar o que devem, a suspensão se torna uma medida meramente punitiva.
Segundo o ministro, para preservar a validade jurídica da norma do CPC, “sua aplicação deve ser orientada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, do contraditório e da ampla defesa e da adequada fundamentação das decisões judiciais”. No processo analisado, ele concluiu que não há elementos que comprovem que os sócios tenham patrimônio para pagar a dívida ou que tenham adotado meios ardilosos para frustrar a execução, pois, na decisão questionada, consta apenas informação genérica de que houve ocultação patrimonial. Desse modo, não se pode concluir que a suspensão dos documentos contribua para o pagamento do crédito devido à trabalhadora.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO – CNH E DO PASSAPORTE. APLICAÇÃO RESTRITIVA DAS MEDIDAS PREVISTAS NO ART. 139, IV, DO CPC/2015 INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS NO CASO CONCRETO QUE COMPROVEM UTILIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato juízo da 2ª Vara do Trabalho de Simões Filho, que, na fase de execução, nos autos da reclamação trabalhista nº 0001070-91.2016.5.05.0013, determinou a suspensão das carteiras de habilitação e passaportes dos impetrantes-pacientes.
2. O entendimento deste Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de ser incabível habeas corpus para questionar a legalidade de decisões judiciais que tenham determinado a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação.
Considerando-se que a insurgência dos impetrantes volta-se contra ato coator em que determinada, concomitantemente, a retenção de passaportes e das CNH\’ s, correto o ajuizamento da presente ação mandamental, nos termos do art. 1º, da Lei nº 12.016/2009. Precedentes da SBDI-II.
3. O art. 139, IV, do CPC de 2015 faculta ao juiz determinar as medidas necessárias para o cumprimento do comando judicial, tal como a suspensão de CNH e passaportes, desde que a ordem, comprovadamente, objetive alcançar a satisfação do título executivo. A medida não pode ser utilizada como sucedâneo punitivo. Precedentes do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça.
4. In casu , não se observa no ato coator fundamentação exauriente, concernente à existência de elementos que assegurem que os impetrantes possuem patrimônio capaz de suportar a execução, mas injustificada e comprovadamente, opõem-se ao pagamento da dívida, adotando meios ardilosos para frustrar a execução. Assim, a determinação de suspensão de passaportes e CNH\’ s revela-se abusiva.
5. Evidenciado o direito líquido e certo dos impetrantes, concede-se a segurança para cassar a decisão que determinou a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e do Passaporte dos impetrantes.
Recurso ordinário conhecido e provido para conceder a segurança.
Ficaram vencidos os ministros Evandro Valadão e Dezena da Silva.
Processo: RO-1039-08.2019.5.05.0000