Seguradora deve indenizar por sinistro ocorrido na vigência de liminar que prorrogou o contrato

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma seguradora deverá indenizar a beneficiária por sinistro que ocorreu durante o efeito de decisão judicial provisória que prorrogava a vigência do contrato de seguro de vida em grupo, a qual foi posteriormente revogada. Para o colegiado, os efeitos retroativos da revogação da liminar deveriam ter atingido todas as partes, de modo a evitar que uma tivesse vantagem sobre a outra, mas não foi isso o que se verificou no caso.

A beneficiária da apólice de seguro de vida ajuizou ação com o objetivo de receber indenização após o falecimento da segurada, sua mãe. Ela explicou que, embora a apólice tenha sido rescindida unilateralmente pela seguradora, a vigência contratual foi prorrogada por decisão judicial provisória, e os valores referentes ao prêmio continuaram a ser pagos mensalmente.

O juiz, entendendo que o sinistro ocorreu durante a vigência do contrato – ainda que precária –, julgou o pedido procedente e condenou a ré a pagar a indenização. O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, reformou a decisão, sob o fundamento de que os efeitos da liminar não mais subsistiriam, aplicando, por analogia, a Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Pagamento das mensalidades foi ininterrupto na vigência da liminar

No recurso ao STJ, a beneficiária alegou que a seguradora cobrou e recebeu os valores do prêmio todos os meses, de maneira ininterrupta, desde o dia da contratação até a morte da segurada.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que a discussão sobre a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte da seguradora foi travada em outra ação judicial. O caso em julgamento – acrescentou – diz respeito aos efeitos da decisão provisória proferida naquele processo.

O ministro observou que as obrigações mantidas durante a vigência de tutela antecipada não podem ter caráter definitivo, e os eventuais benefícios recebidos não devem ser incorporados definitivamente ao patrimônio das partes.

“Efetivamente, quanto ao deferimento de tutelas de urgência, cabe assinalar que esses provimentos judiciais possuem natureza precária, de modo que, cassada a decisão, os efeitos retroagem, desconstituindo a situação conferida de forma provisória”, disse o relator.

Revogação da decisão provisória deve recolocar as partes no estado inicial

Cueva destacou que, após a revogação da liminar, não houve o retorno das partes ao estado em que se encontravam no momento da rescisão contratual pela seguradora.

Para o relator, já que os valores dos prêmios foram recolhidos por mais de dez anos e incorporados ao patrimônio da seguradora, sem a devida restituição após a cassação da liminar, as obrigações decorrentes da apólice devem ser cumpridas, sob pena de enriquecimento sem causa da companhia.

“Como a quantia não foi devolvida após a revogação da decisão provisória, a seguradora assumiu o risco de aperfeiçoamento do contrato, ou seja, considerou válida a vigência da apólice”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. RESILIÇÃO UNILATERAL. AÇÃO COLETIVA. DECISÃO PROVISÓRIA. MANUTENÇÃO DA APÓLICE. SUPERVENIÊNCIA DE SINISTRO. REVOGAÇÃO DA MEDIDA ANTECIPATÓRIA. RETROAÇÃO. RETORNO À SITUAÇÃO ORIGINAL. NÃO CUMPRIMENTO. RECOLHIMENTO DE PRÊMIOS. CRIAÇÃO DE FUNDO MUTUAL. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA DEVIDA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia em definir se é devido o pagamento de indenização securitária decorrente de contrato de seguro de vida em grupo, em que o sinistro se deu no período de manutenção da avença determinada por decisão judicial provisória oriunda de ação coletiva, posteriormente revogada.
3. A tutela antecipada é um provimento judicial provisório e, em regra, reversível (art. 273, § 2º, do CPC/1973 e arts. 296 e 300, § 3º, do CPC/2015); ou seja, não há falar em definitividade das obrigações mantidas por meio de antecipação de tutela, sendo descabido ao titular do direito precário pressupor a incorporação de benefícios em seu patrimônio. O desfazimento de tais obrigações é decorrência lógica da insubsistência da medida precária.
4. A revogação da tutela antecipada produz efeitos imediatos e ex tunc, impondo às partes o retorno à situação anterior ao deferimento da medida. Súmula nº 405/STF.
5. Na hipótese, não houve o retorno das partes ao statu quo ante. Apesar da reversibilidade da medida antecipatória da ação coletiva, nem a seguradora nem a massa de segurados retornaram ao estado em que as coisas estavam quando da resilição unilateral do contrato de seguro de vida em grupo.
6. Como os valores dos prêmios permaneceram com o ente segurador e o fundo mutual foi constituído, as obrigações decorrentes da apólice coletiva devem ser cumpridas, sob pena de enriquecimento sem causa da empresa seguradora.
7. Não pode apenas um dos litigantes retornar à situação inicial. O efeito ex tunc deve atingir as duas partes, evitando-se a criação de vantagens lucrativas.
8. Embora a revogação da medida antecipatória gere efeitos retroativos, as partes não retornaram ao status quo ante, diante do aperfeiçoamento do fundo mutual, devendo a seguradora cumprir com sua contraprestação (indenizar sinistros), já que não restituiu aos segurados as quantias recolhidas a título de prêmio durante o período em que a apólice foi prorrogada.
9. Recurso especial provido.

Leia o acórdão no REsp 1.799.169.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1799169

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