Quinta Turma nega exclusão de depoimentos informais em inquérito contra acusado de atear fogo na companheira

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de retirada de depoimentos informais, gravados por policiais militares, de um processo contra homem acusado de jogar gasolina em sua companheira e atear fogo, na presença dos três filhos dela. Em uma das gravações, a mulher – que faleceu dias após a internação – afirmou que o companheiro foi o autor do crime.

Por unanimidade, o colegiado considerou que os depoimentos informais do acusado, da mulher e de um de seus filhos, colhidos logo após os fatos, não causaram prejuízo ao investigado porque ele não assumiu a autoria do delito e as gravações não substituíram as coletas formais dos relatos das partes pela autoridade policial.

O homem é investigado pela polícia pelos supostos crimes de feminicídio tentado e de incêndio. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), confirmando decisão do juiz de primeiro grau, negou a retirada das gravações dos autos, sob o fundamento de que a diligência foi legal, em razão da gravidade do fato e da necessidade imediata de esclarecimentos, devido ao estado de saúde dos envolvidos.

No habeas corpus submetido ao STJ, a defesa reiterou o pedido de exclusão dos vídeos e a consequente anulação do indiciamento, o qual teria sido baseado nas gravações realizadas por autoridade incompetente, pois caberia à polícia judiciária colher os depoimentos. A defesa também sustentou que o acusado não foi advertido sobre seu direito constitucional de permanecer em silêncio.

Não houve demonstração de prejuízo à defesa ao acusado

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, votou pelo não conhecimento do habeas corpus por questões processuais, porém, afirmou que é adequado o exame, de ofício, do suposto constrangimento ilegal diante das alegações da defesa.

Na avaliação do magistrado, conforme decidido pelo TJRS, não houve nulidade porque as gravações foram necessárias, considerando a urgente necessidade de esclarecimento da ocorrência, em razão dos ferimentos dos envolvidos – especialmente da vítima, não ouvida formalmente, pois foi internada em estado gravíssimo, inconsciente e respirando com a ajuda de aparelhos, vindo a falecer dias depois.

O ministro destacou que, em nenhum momento, os vídeos substituíram os depoimentos formais das partes, coletados pelo delegado, tendo o acusado, inclusive, exercido seu direito de permanecer em silêncio. Além disso, afirmou o relator, o réu terá a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa em juízo.

Reynaldo Soares da Fonseca também ressaltou que o acusado não demonstrou o prejuízo efetivo que a juntada dos vídeos ao inquérito teria causado à sua ampla defesa. “Assim, afasta-se qualquer nulidade”, apontou.

Na gravação, homem alegou ser vítima de sua companheira

Acerca da ausência de advertência ao homem sobre seu direito de permanecer em silêncio, o ministro registrou que, no momento da gravação, ele não era investigado, pois alegou, no depoimento informal, que estava sujo de gasolina e, durante uma discussão, sua companheira pegou um isqueiro e iniciou o fogo, resultando em queimaduras e na necessidade de também ter sido levado ao hospital – razão pela qual era visto como vítima pelos policiais que atenderam à ocorrência.

O relator lembrou, ainda, que é firme no STJ o entendimento de que eventual nulidade ocorrida na investigação não contamina a ação penal, dada a natureza meramente informativa do inquérito policial.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES DE INCÊNDIO DOLOSO MAJORADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (QUATRO VEZES). INDICIAMENTO. NULIDADE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DO VÍDEO GRAVADO PELA POLÍCIA MILITAR (VÍTIMAS E ACUSADO DERAM DEPOIMENTO INFORMAL). PACIENTE QUE ATEOU FOGO, COM A UTILIZAÇÃO DE GASOLINA, EM SUA COMPANHEIRA, NA FRENTE DOS FILHOS DELA. PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ARTIGO 563 DO CPP. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. APONTADA VIOLAÇÃO AO DIREITO AO SILÊNCIO. EVENTUAL ILEGALIDADE NA FASE INQUISITORIAL QUE NÃO CONTAMINA A FUTURA AÇÃO PENAL DELA DECORRENTE. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

Precedentes: STF, HC 147.210-AgR, Rel. Ministro EDSON FACHIN, DJe de 20⁄2⁄2020; HC 180.365AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 27⁄3⁄2020; HC 170.180-AgR, Relatora Ministra CARMEM LÚCIA, DJe de 3⁄6⁄2020; HC 169174-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 11⁄11⁄2019; HC 172.308-AgR, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 17⁄9⁄2019 e HC 174184-AgRg, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 25⁄10⁄2019. STJ, HC 563.063-SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 10⁄6⁄2020; HC 323.409⁄RJ, Rel. p⁄ acórdão Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em 28⁄2⁄2018, DJe de 8⁄3⁄2018; HC 381.248⁄MG, Rel. p⁄ acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção , julgado em 22⁄2⁄2018, DJe de 3⁄4⁄2018.

2. Como é de conhecimento, Nos termos da assente jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de nulidade, ainda que absoluta, no âmbito do Processo Penal, exige a demonstração do efetivo prejuízo suportado pelas partes (princípio pas de nullité sans grief) (AgRg no AREsp 1.669.700⁄PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p⁄ Acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 23⁄11⁄2021, DJe de 30⁄11⁄2021).

3. No caso, não se vislumbra prejuízo concreto decorrente da juntada aos autos do inquérito policial de vídeo do paciente (acusado) e das vítimas, que foi gravado, no hospital, pelos policias militares que trabalharam na ocorrência, pois foi a vítima internada em estado gravíssimo em razão das queimaduras sofridas e, logo depois, ficou inconsciente e respirando com a ajuda de aparelhos. Tais gravações não substituíram as coletas formais dos relatos das partes pela autoridade policial. Além disso, o paciente terá, no curso da ação penal, a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa, quando for interrogado em Juízo.

4. Não há que se falar em ilicitude da oitiva informal do paciente em razão da ausência da advertência quanto ao direito de permanecer em silêncio, também conhecida como Aviso de Miranda, porquanto, em seu depoimento informal, logo após os fatos, o paciente não assumiu a autoria do delito, razão pela qual permanecia – aos olhos dos policiais que atenderam a ocorrência e realizaram a gravação de seu depoimento – na condição de vítima, o que retira a exigência de ser alertado quanto ao direito de não produzir provas contra si.

5. Ressalta-se, de toda forma, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, que eventuais nulidades ocorridas na fase inquisitorial, dada sua natureza pré-processual, não maculam o ulterior desenvolvimento de ação penal.

6. Habeas corpus não conhecido.

Leia o acórdão no HC 713.252.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 713252

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