A suficiência de quantidade numérica de médicos de determinada especialidade não pode impedir o ingresso de novos associados em cooperativa de trabalho médico. Esse é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aplicado no julgamento de um recurso da Unimed Paulistana Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico.
No caso, um ortopedista ajuizou ação para ter reconhecido o direito de ingressar na cooperativa, tendo em vista que atende a todos os requisitos exigidos em lei. A Unimed negou a adesão sob a alegação de que já existe número suficiente de médicos dessa especialidade e que a recusa por esse motivo está amparada em seu estatuto social.
Em primeiro grau, a recusa foi considerada lícita. Mas, ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a admissão do médico pela cooperativa. Considerou que o acesso só pode ser negado em casos de incapacidade técnica do candidato, conforme prevê o artigo 40, inciso I, da Lei 5.764/71, que define a Política Nacional do Cooperativismo.
Ao negar o recurso da Unimed contra a decisão do TJSP, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que o ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade desde que preencham as condições estabelecidas no estatuto. Em regra, é ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços, conforme prevê a lei das cooperativas.
Restrições arbitrárias
Villas Bôas Cueva explicou que, no caso das cooperativas, há incidência do princípio da livre adesão voluntária, assim como do princípio da porta aberta, que não permite restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de um novo membro.
No recurso, a Unimed alegou que o princípio da porta aberta não seria absoluto e que a viabilidade técnica da prestação do serviço não se limita à capacidade ou formação do profissional.
Segundo o relator, apesar de o princípio da porta aberta não ser absoluto, a simples inconveniência de eventual diminuição de lucro para os cooperados já associados não caracteriza a impossibilidade técnica prevista pela lei, sob pena de subversão dos ideais do sistema cooperativista.
Finalizou seu voto afirmando que a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços deve ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, mesmo porque esta não visa o lucro. Trata-se de um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, provendo, portanto, a inclusão social.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (UNIMED). INGRESSO DE NOVO ASSOCIADO. RECUSA. SUFICIÊNCIA NUMÉRICA DE MEMBROS ATUANTES NA REGIÃO. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MERA INCONVENIÊNCIA PARA OS COOPERADOS. PRINCÍPIO DA PORTA ABERTA (LIVRE ADESÃO). INCIDÊNCIA.1. Ação ordinária que visa o reconhecimento do direito do autor de ingressar na sociedade cooperativa de trabalho médico ao argumento de que foram atendidos todos os requisitos exigidos pela lei, sendo inidônea a justificativa de suficiência numérica de médicos cooperados na região para a especialidade escolhida (ortopedia e traumatologia).2. A cooperativa de trabalho, como a de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda – após a dedução de despesas – é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).3. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, sendo, em regra, ilimitado o número de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços (arts. 4º, I, e 29 da Lei nº 5.764⁄1971). Incidência do princípio da livre adesão voluntária.4. Pelo princípio da porta-aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa, devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, mesmo porque a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto, a inclusão social.5. Não pode a cooperativa de trabalho médico recusar o ingresso de novo membro com base apenas na quantidade suficiente de associados na região exercendo a mesma especialidade do proponente, pois, em que pese o princípio da porta-aberta (livre adesão) não ser absoluto, a simples inconveniência com eventual diminuição de lucro para cooperados que já compõem o quadro associativo não caracteriza a impossibilidade técnica prescrita pela lei, sob pena de subversão dos ideais do sistema cooperativista.6. Recurso especial não provido.
Leia a íntegra do voto do relator.