A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o ajuizamento de ação declaratória de inexigibilidade dos débitos pelo devedor não interrompe o prazo prescricional, quando já tiver havido anterior interrupção pelo protesto das duplicatas.
A decisão teve origem em embargos à execução opostos por uma construtora diante da cobrança de R$ 367 mil, relativos a seis duplicatas mercantis e às despesas de protesto. Nos embargos, a devedora alegou a prescriçãodo crédito, sustentando a incidência do prazo trienal.
Nas instâncias ordinárias, os embargos foram julgados improcedentes. Segundo o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), para não se criar vantagem excessiva para o devedor, a interpretação do artigo 202 do Código Civil deve considerar a diferenciação entre causas de interrupção judiciais e extrajudiciais, sendo que somente estas últimas ocorrem apenas uma vez. Assim, após a interrupção pelo protesto, a propositura de demanda judicial interromperia o prazo novamente.
Ao STJ, a devedora alegou que não seria possível interromper o prazo mais de uma vez, independentemente da distinção doutrinária entre interrupção judicial ou extrajudicial.
Inovação trazida pelo novo Código Civil
Em seu voto, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que o curso do prazo prescricional é interrompido quando o titular do direito manifesta, por uma das formas previstas em lei, a intenção de exercê-lo, ou quando o devedor manifesta inequivocamente o reconhecimento daquele direito, conforme o artigo 202 do Código Civil.
Ela destacou que, com o objetivo de evitar a perpetuidade da incerteza nas relações jurídicas, o código de 2002 inovou ao dispor, de forma expressa, que a interrupção da prescrição só poderá ocorrer uma vez.
Antes – acrescentou a magistrada –, sob o Código Civil de 1916, discutia-se a possibilidade de o prazo ser interrompido ilimitadamente, e ainda hoje a doutrina debate se a interrupção pode ocorrer apenas uma vez, independentemente de seu fundamento, ou se poderia acontecer uma vez para cada uma das causas interruptivas previstas nos incisos do artigo 202 do novo código.
Interrupção ocorre uma única vez para a mesma relação jurídica
\”A expressa previsão do atual código civilista (artigo 202, caput) parece ter dissipado as dúvidas acerca da limitação, a uma única vez, da ocorrência da interrupção da prescrição. Ocorre que a aplicação estrita do referido dispositivo legal gera controvérsias de ordem prática apontadas por parte da doutrina\”, afirmou.
Ao citar julgamento da Terceira Turma no REsp 1.504.408, a ministra recordou que, em seu voto divergente, defendeu que a interrupção da prescrição se desse apenas uma vez para a mesma relação jurídica – isto é, independentemente do fundamento, posição por ela reforçada no REsp 1.924.436.
A relatora salientou que, embora o ajuizamento da ação declaratória de inexigibilidade de débitos seja uma causa interruptiva do prazo da prescrição – que é de três anos, na hipótese de duplicatas –, este já havia sido interrompido com o protesto dos títulos. Como a citação na ação declaratória não produziu nova interrupção, a execução foi ajuizada fora do prazo, razão pela qual a Terceira Turma extinguiu o processo.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROTESTO DE DUPLICATAS. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. POSTERIOR AJUIZAMENTO DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PELA DEVEDORA. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO.1. Embargos à execução opostos em 27⁄04⁄2020, dos quais foi extraído o presente recurso especial em 22⁄07⁄2021 e concluso ao gabinete em 30⁄09⁄2021. Julgamento: CPC⁄2015.2. O propósito recursal é definir se é possível a interrupção do prazo prescricional em razão do ajuizamento de ação declaratória de inexigibilidade dos débitos pelo devedor quando já tiver havido anterior interrupção do prazo prescricional pelo protesto das duplicatas.3. Conforme dispõe o art. 202, caput, do CC⁄02, a interrupção da prescrição ocorre somente uma única vez para a mesma relação jurídica. Precedente.4. Na espécie, os protestos das duplicatas foram promovidos nos meses de outubro e novembro de 2012, momento em que, nos termos do art. 202, III, do CC⁄02, houve a interrupção do prazo prescricional. O posterior ajuizamento da ação declaratória de inexigibilidade de débitos pela recorrente, ainda que indiscutivelmente seja causa interruptiva da prescrição, não tem o condão, contudo, de promover nova interrupção do prazo prescricional, uma vez que este já havia sido interrompido com o protesto das cártulas.5. A prescrição de 3 (três) anos (art. 206, § 3º, VIII, do CC⁄02) operou-se em 2015, sendo que a ação de execução de título executivo extrajudicial somente foi ajuizada pela recorrida em 2019.6. Recurso especial conhecido e provido.
Leia o acórdão do REsp 1.963.067.