Primeira Seção fixa necessidade de dupla notificação de multa a pessoa jurídica que não indica condutor infrator

Em julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.097), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que, “em se tratando de multa aplicada às pessoas jurídicas proprietárias de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira, que se refere à autuação da infração, e a segunda, sobre a aplicação da penalidade, conforme estabelecido nos artigos 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro“.

Com a tese – que reafirma orientação jurisprudencial do STJ –, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proferido em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), segundo o qual não seria necessária a dupla notificação nessas hipóteses.

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A partir da fixação do precedente qualificado pelo STJ, podem voltar a tramitar as ações sobre a mesma questão jurídica que estavam suspensas em todo o país.

O julgamento teve a participação, como amici curiae, da União, da Associação Nacional de Empresas de Aluguel de Veículos e Gestão de Frotas, e do Sindicato dos Transportadores Autônomos Rodoviários de Pessoas, de Bens e de Cargas de Rio Claro.

Violações autônomas com notificações distintas

Relator do recurso repetitivo, o ministro Herman Benjamin explicou que o artigo 257, parágrafo 7º, do CTB estabelece que, não sendo imediata a identificação do infrator, o proprietário do veículo tem prazo para, após a notificação da autuação, apresentar o condutor. Vencido o prazo, diz o código, o proprietário do veículo será considerado responsável pela infração. O texto do parágrafo sofreu alterações por força da Lei 14.071/2020, que aumentou o prazo de indicação do infrator de 15 para 30 dias.

O parágrafo 8º do mesmo artigo prevê que, após o prazo previsto no parágrafo 7º, não havendo identificação do infrator e sendo o veículo de propriedade de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário – mantida a originada pela infração –, cujo valor corresponderá ao da multa multiplicado pelo número de infrações iguais cometidas no período de 12 meses.

“Como se vê da redação da lei, as duas violações são autônomas em relação à necessidade de notificação da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração, devendo ser concedido o devido prazo para defesa em cada caso”, afirmou o magistrado.

Notificação permite o exercício do contraditório

O relator destacou que a notificação materializa o devido processo legal, pois instaura o contraditório – instituto fundamental em uma relação jurídica que implique algum tipo de sanção.

Herman Benjamin enfatizou que, no caso em análise, existem duas situações fáticas diferentes: a primeira é a infração de trânsito, cometida por uma pessoa física; a segunda é a obrigação de a pessoa jurídica, proprietária do veículo, indicar o condutor. Segundo o ministro, se as situações fáticas são distintas, as infrações são distintas; logo, a notificação deve ocorrer em relação a cada uma delas, de forma separada e sucessiva.

“Tratando-se de situações distintas, geradoras de infrações distintas, o direito de defesa a ser exercido em cada uma será implementado de forma igualmente distinta. Ou seja, as teses de defesa não serão as mesmas, daí a razão para que se estabeleça relação processual diferenciada para cada situação”, concluiu o relator ao propor a tese repetitiva.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO  REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC⁄2015 E RESOLUÇÃO STJ 8⁄2008. AUTO DE INFRAÇÃO SEM IDENTIFICAÇÃO DO INFRATOR. VEÍCULO DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE DUPLA NOTIFICAÇÃO: UMA NA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO, E OUTRA NA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE. CASOS DO ART. 257, § 8º, DO CTB. PRECEDENTES DO STJ. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. INTUITO DE REDISCUTIR O MÉRITO DO JULGADO. INVIABILIDADE.
1. Cuida-se de Embargos de Declaração contra acórdão do STJ que deu provimento aos Recursos Especiais, sob o regime dos arts. 1.036 e seguintes do CPC⁄2015 e da Resolução 8⁄2008 do STJ.
2. Trata-se de dois Recursos Especiais, interpostos pelo Sindicato das Empresas Locadoras de Veículos Automotores do Estado de São Paulo – SINDLOC⁄SP, e por Diego Wasiljew Candido da Silva e Dangel Cândido da Silva, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 2187472-23.2017.8.26.0000, em que foi fixada a seguinte tese (fls. 824-835): “Os art. 280 e 281 da LF nº 9.503⁄97, de 23-9-1997, não se aplicam à sanção pela não indicação de condutor prevista no art. 257, § 7º e 8º, assim dispensada a lavratura de autuação e consequente notificação. Tal dispositivo e a Resolução CONTRAN nº 710⁄17 não ofendem o direito de defesa”.
3. In casu, busca-se uniformizar o entendimento sobre a necessidade de envio de dupla notificação prevista nos arts. 280 e 281 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para aplicação da penalidade prevista no art. 257, § 8º, do mesmo diploma legal. A penalidade em questão é prevista pelo CTB para o descumprimento, pelas pessoas jurídicas proprietárias de veículos, da obrigação de, em cada autuação recebida, identificar no prazo legal o respectivo condutor.
RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 1.036 DO CPC⁄2015 E DA RESOLUÇÃO STJ 8⁄2008
4. Admitida a afetação com a seguinte delimitação da tese controvertida: “Verificação da necessidade de observação dos art. 280 e 281 da Lei 9.503⁄1997 em relação à infração pela não indicação de condutor prevista no art. 257 § 7º e 8º, para definir a imperiosidade da notificação da infração e da notificação de eventual imposição de penalidade”.
DISCIPLINA LEGAL
5. O CTB, em seu art. 257, §§ 7º e 8º, prevê a aplicação de nova multa ao proprietário de veículo registrado em nome de pessoa jurídica quando não se identifica o condutor infrator no prazo determinado. Da redação da lei, verifica-se que as duas violações são autônomas em relação à necessidade de notificação da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração, devendo ser concedido o devido prazo para defesa em cada caso.
NECESSIDADE DE DUPLA NOTIFICAÇÃO:  DE
AUTUAÇÃO E DE APLICAÇÃO DA PENA DECORRENTE DA INFRAÇÃO – QUANTO A ESSA PENALIDADE ESPECÍFICA
6. In casu, a pessoa jurídica é proprietária de veículos, os quais são conduzidos por funcionários. Quando esses funcionários cometem infração de trânsito usando tais veículos, a pessoa jurídica deve indicar o condutor, para fins de punição individualizada. Se não indica, além da infração cometida com o veículo, ocorre nova infração, que é a não indicação de condutor. A controvérsia que se instaura é para saber se quanto a esta infração, de não indicação de condutor, há necessidade de expedir nova notificação, após expirado o prazo concedido. No caso, a pessoa jurídica deverá arcar com o valor da multa da infração de trânsito e também da não indicação de condutor, caso isso ocorra.
7. Tratando-se de situações distintas, geradoras de infrações distintas, o direito de defesa a ser exercido em cada uma será implementado de forma igualmente distinta. Ou seja, as teses de defesa não serão as mesmas, daí a razão para que se estabeleça relação processual diferenciada, para cada situação.
8. Assim, sempre que estiver em jogo a aplicação de uma garantia, a regra de interpretação não deve ser restritiva. Ademais, sempre que depararmos um gravame, penalidade ou sacrifício de direito individual, a regra de interpretação deve, de alguma forma, atender quem sofre esse tipo de consequência, quando houver alguma dúvida ou lacuna. Veem-se exemplos dessa perspectiva no Processo Penal, com muita clareza, em que a dúvida beneficia o réu. Observa-se também no Direito do Consumidor, no do Trabalho, nos quais a parte fragilizada na relação jurídica material recebe “compensação”, por assim dizer, ou desequiparação lícita, para que, no conflito verificado em um processo contra um ente mais “forte”, possa se estabelecer, tanto quanto possível, a igualdade material, e ela não seja prejudicada por ser mais frágil.
9. Sendo administrativa ou de trânsito a multa, não se vê motivo para dela afastar a aplicação dos arts. 280, 281, 282 do CTB (os quais estão contidos na mesma lei federal que prevê tal multa), nem mesmo obstáculos que impossibilitem que uma segunda notificação seja expedida antes da imposição da penalidade, sendo incontestável que o próprio art. 257, § 8º, do CTB determina sanção financeiramente mais grave à pessoa jurídica que não identifica o condutor no prazo legal. Não se trata, portanto, de “fazer de letra morta o texto legal”, mas, ao contrário, de cumpri-lo com efetividade.
PANORAMA GERAL DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
10. Ao julgar o mérito do IRDR, o TJSP fixou tese em sentido contrário ao entendimento do STJ. De acordo com a tese fixada pelo Tribunal a quo, desnecessária  dupla notificação – ou seja, de notificação de autuação e de aplicação da pena decorrente da infração – quanto a essa penalidade específica.
11. Conforme a jurisprudência do STJ, nesses casos, em se tratando de multa aplicada à pessoa jurídica proprietária de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira refere-se à autuação da infração, e a segunda é relativa à aplicação da penalidade (arts. 280, 281 e 282, todos do CTB). Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgInt no REsp 1.829.234⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.11.2019; AgInt nos EDcl no AREsp 1.219.594⁄SP; Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 17.10.2018; AgInt no AREsp 906.113⁄SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 8.3.2017; AREsp 1.150.193⁄SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 6.11.2017; REsp 1.724.601⁄SP, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 28.6.2019; AREsp 1.255.108⁄SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 12.4.2018; AgInt no REsp 1.851.111⁄SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 29.6.2020; AREsp 1.280.000⁄SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 30.4.2018; REsp 1.736.145⁄SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 20.8.2018; REsp 1.790.627⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.5.2019; REsp 1.666.665⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.6.2017; REsp 1.879.009⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.10.2020; AgInt no REsp 1.901.841⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.4.2021.
12. Consoante claramente fundamentado no decisum embargado, que não padece de obscuridade ou omissão, seus efeitos são ex tunc, pois não havia dubiedade no STJ, haja vista o julgamento decorrer da interpretação pacífica da lei e da jurisprudência majoritária, não havendo espaço para modulação de eficácia.
TESE REPETITIVA
13. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC⁄2015, fixa-se esta tese no julgamento deste recurso repetitivo: “Em se tratando de multa aplicada às pessoas jurídicas proprietárias de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira que se refere à autuação da infração e a segunda sobre a aplicação da penalidade, conforme estabelecido nos arts. 280, 281 e 282 do CTB”.
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
14. Tendo em vista a unidade de interesse dos recorrentes, os Recursos Especiais serão analisados em conjunto. Dessa feita, merece provimento tanto o Recurso Especial interposto pelo SINDLOC⁄SP, quanto o promovido por Diego Wasiljew Candido da Silva e Dangel Cândido da Silva.
CONCLUSÃO
15. Embargos de Declaração rejeitados.

Leia mais:

Repetitivo discute dupla notificação em caso de não apresentação do condutor por pessoa jurídica autuada

Leia o acórdão no REsp 1.925.456.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1925456

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