Na ação de arbitramento de honorários ajuizada pelos herdeiros, relativa a causa patrocinada pelo advogado falecido, a pretensão de cobrança apresentada contra o cliente é a mesma titularizada em vida pelo profissional, a qual é transmitida aos seus sucessores pelo instituto da saisine. Dessa forma, o ajuizamento da ação não faz surgir nova relação jurídica entre os herdeiros e o cliente, e também não há nova contagem do prazo prescricional a partir da morte do advogado.
O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, ao fixar em cinco anos o prazo prescricional aplicável às ações de arbitramento de honorários ajuizadas pelos herdeiros de advogados e considerar – nos termos do artigo 25, V, da Lei 8.906/1994 e do artigo 206, parágrafo 5º, II, do Código Civil – a revogação do mandato do profissional falecido, e não a sua morte ou outro ato processual, como marco inicial para a contagem da prescrição.
Com a tese, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, apesar de também considerar a prescrição quinquenal, julgou prescrito o direito dos herdeiros ao tomar como marco inicial do prazo a conclusão dos serviços advocatícios. No caso dos autos, o último ato processual do causídico morto foi praticado em 2006, e seu mandato foi revogado em 2008, ao passo que a ação de arbitramento dos herdeiros foi proposta em 2013.
Ao STJ, os herdeiros alegaram que não se tratava de cobrança de honorários ajuizada pelo advogado contra o cliente, mas de ação de arbitramento proposta pelos sucessores do prestador de serviço – o que justificaria a aplicação do prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil.
Os recorrentes também sustentaram que o marco inicial do prazo prescricional seria a data em que houve a recusa ao pagamento dos honorários. Alternativamente, pediram que fosse considerada como termo inicial a data do óbito do advogado.
Honorários eram direito do pai, transmitido aos herdeiros
No voto acompanhado pela maioria do colegiado, a ministra Nancy Andrighi explicou que apenas o advogado falecido, pai dos herdeiros que ajuizaram a ação, patrocinou os interesses do cliente, motivo pelo qual os honorários devidos e não pagos eram direito seu.
“Com o falecimento do advogado que atuou na causa, transmitiram-se aos seus herdeiros, em virtude da saisine, não apenas os bens de propriedade do falecido, mas também os direitos, as ações e até mesmo as pretensões que poderiam ter sido exercitadas em vida, mas que eventualmente não o foram”, completou.
Por essa razão, a magistrada apontou que os herdeiros não apresentam pretensão própria na ação de arbitramento de honorários, pois não mantiveram relação jurídica de direito material com o cliente; em vez disso, a pretensão é a que lhes foi transmitida por causa da morte do titular do direito.
Impossibilidade de contagem de dois prazos prescricionais distintos
Segundo Nancy Andrighi, admitir que os herdeiros teriam pretensão própria de arbitramento de honorários em razão dos serviços prestados pelo pai, exercitável apenas a partir do óbito e sujeita à prescrição de dez anos, resultaria na situação em que o mesmo fato seria regulado por duas prescrições diferentes: cinco anos, se exercida pelo pai; dez, se exercida pelos herdeiros.
Em relação ao marco inicial para a contagem da prescrição, a ministra lembrou que o artigo 25, inciso V, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) estabelece que o prazo corre a partir da renúncia ou revogação do mandato.
“Independentemente da exata data em que revogado o mandato (se em 02/09/2008, conforme consta da notificação, ou se em 12/09/2008, consoante registrado no acórdão), fato é que a ação de arbitramento foi ajuizada em 11/07/2013 e não foi implementado o prazo quinquenal previsto na mencionada regra, razão pela qual não há que se falar em prescrição”, concluiu a magistrada ao determinar que o TJSP realize novo julgamento da apelação.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AJUIZADA POR HERDEIROS. ADVOGADO FALECIDO QUE MANTEVE RELAÇÃO JURÍDICA COM O CLIENTE DE QUEM SE PRETENDE COBRAR OS HONORÁRIOS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE OS HERDEIROS E O CLIENTE. HERDEIROS QUE NÃO DEDUZEM PRETENSÃO PRÓPRIA, MAS A PRETENSÃO DO ADVOGADO FALECIDO TRANSMITIDA PELA SAISINE. INAPLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL RESIDUAL. APLICABILIDADE DO PRAZO QUINQUENAL ESPECÍFICO PREVISTO NO CC⁄2002 E NA LEI 8.906⁄94. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. FALECIMENTO DO ADVOGADO. DESCABIMENTO. REGRA ESPECIAL RELACIONADA AO TERMO INICIAL, PREVISTA NA LEI Nº 8.906⁄94. TERMO INICIAL QUE SE CONTA DA REVOGAÇÃO OU RENÚNCIA DO MANDATO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE.1- Os propósitos recursais consistem em definir o prazo prescricional e o termo inicial da prescrição da pretensão de arbitramento de honorários ajuizada pelos herdeiros do advogado que patrocinou os interesses do cliente.2- Se apenas o advogado falecido manteve relação jurídica de serviços advocatícios com o cliente de quem se pretende cobrar os honorários, o fato de a ação ter sido ajuizada posteriormente ao seu falecimento pelos seus herdeiros não transforma a pretensão própria do advogado em pretensão própria dos herdeiros, uma vez que também as pretensões são transmissíveis com a morte pela saisine.3- Dado que os herdeiros deduzem a mesma pretensão titularizada pelo advogado e que apenas fora a eles transmitida pela saisine, não se aplica à hipótese o prazo prescricional decenal e residual previsto no art. 205 do CC⁄2002, mas, sim, o prazo prescricional quinquenal especificamente previsto nos arts. 25 da Lei nº 8.906⁄94 e 206, §5º, II, do CC⁄2002.4- Fixada a premissa de que os herdeiros não deduzem pretensão própria ao pleitear os honorários, descabe estabelecer, como termo inicial da prescrição, a data do falecimento do advogado que prestou os serviços advocatícios ao cliente, especialmente quando houver revogação ou renúncia ao mandato, como na hipótese, caso em que esse será o termo inicial, nos exatos termos do art. 25, V, da Lei nº 8.906⁄94.5- Recurso especial conhecido e provido, a fim de afastar a prescrição e determinar que seja rejulgada a apelação pelo TJ⁄SP, nos limites das questões devolvidas pelos recorrentes.
Leia o acórdão no REsp 1.745.371.