Para Terceira Turma, contrato firmado por pessoa analfabeta independe de escritura pública, ressalvada previsão legal

O contrato de empréstimo consignado firmado por pessoa analfabeta deve observar as formalidades do artigo 595 do Código Civil, que prevê a assinatura do instrumento a rogo por terceiro e também por duas testemunhas.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso em que o Banco Bradesco Financiamentos S/A pedia a reforma de acórdão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o qual considerou necessário que o empréstimo para pessoa analfabeta se efetivasse mediante escritura pública ou por meio de assinatura de procurador constituído por instrumento público.

A controvérsia julgada na Terceira Turma se originou em ação proposta por um idoso analfabeto contra a instituição financeira, na qual foi apontada ilegalidade de contrato de empréstimo consignado que não teria respeitado os requisitos básicos previstos na lei.

No recurso especial submetido ao STJ, o banco alegou que não haveria necessidade de escritura pública para a celebração de contratos com idosos analfabetos.

Analfabeto tem capacidade de exercer atos da vida civil

Para o relator, ministro Villas Bôas Cueva, os analfabetos podem contratar, pois são plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, mas expressam sua vontade de forma distinta. Ele explicou que a validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público, salvo previsão legal nesse sentido.

Porém, de acordo com o magistrado, na hipótese analisada, mesmo que as instâncias ordinárias admitam como regra apenas a celebração contratual por pessoa analfabeta mediante escritura pública – não obrigatória, segundo a jurisprudência do STJ –, não foi observada a indispensável assinatura a rogo por terceiro, representante do consumidor.

“Não há como validar negócio jurídico dessa natureza sem a participação de terceiro de confiança do analfabeto – pessoa cuja importância é enorme para esclarecer as nuances do contrato escrito e compensar a inabilidade de leitura e escrita no negócio –, que deve ser certificada por duas testemunhas”, acrescentou o relator.

Ao negar provimento ao recurso do banco, Villas Bôas Cueva observou que, embora o analfabeto tenha plena liberdade para contratar empréstimos consignados, é preciso exigir a externalização de sua vontade por instrumento escrito, com a participação obrigatória de terceiro apto a assinar a rogo por ele, na presença e com a assinatura de duas testemunhas – condições indispensáveis para superar as desigualdades entre os contratantes.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.  DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IDOSO E ANALFABETO. VULNERABILIDADE. REQUISITO DE FORMA. ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO. PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS. ART. 595 DO CC⁄02. ESCRITURA PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. Os analfabetos podem contratar, porquanto plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, mas expressam sua vontade de forma distinta.
3. A validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público, salvo previsão legal nesse sentido.
4. O contrato escrito firmado pela pessoa analfabeta observa a formalidade prevista no art. 595 do CC⁄02, que prevê a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a firma de duas testemunhas.
5. Recurso especial não provido.

Leia o acórdão do REsp 1.954.424.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1954424

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