A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o acordo firmado por um dos réus em ação indenizatória ajuizada com base em defeito do produto (artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor – CDC) não alcança, necessariamente, os corréus. Para o colegiado, a extensão do acordo poderia ocorrer apenas na hipótese de responsabilidade solidária.
A decisão teve origem em ação indenizatória proposta por cliente que ingeriu um suco com a presença de corpo estranho verde-musgo, assemelhado a mofo. Foram réus na demanda as fabricantes do produto e o comerciante – que, após a citação, firmou acordo de R$ 4 mil com a consumidora, o que levou à extinção do processo em relação a ele.
Sabendo disso, as fabricantes pediram a extensão dos efeitos do acordo – com a consequente extinção da ação também em relação a elas –, sob a alegação de que toda a discussão do processo decorre de fato único, ou seja, o consumo da bebida contaminada. Para elas, o fato foi reparado com o pagamento da indenização pelo comerciante, visto que, nas relações de consumo, a responsabilidade seria solidária.
Ao rejeitar esses argumentos, o juízo de primeira instância anotou que o acordo firmado com o comerciante não tem relação com a responsabilidade das fabricantes perante a consumidora – entendimento que foi mantido em segundo grau.
Responsabilidade subsidiária do comerciante pelo fato do produto
No recurso ao STJ, as fabricantes invocaram o artigo 844, parágrafo 3º, do Código Civil, segundo o qual, havendo solidariedade, o acordo entre o credor e um dos devedores extingue a dívida em relação aos demais.
Ao proferir seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a Segunda Seção definiu a existência de corpo estranho em alimentos como hipótese de fato do produto (defeito), como previsto no artigo 12 do CDC, e não vício do produto (artigo 18). Nesse último caso, o CDC não faz distinção entre os fornecedores, impondo a todos eles a responsabilidade solidária.
Por outro lado, de acordo com o magistrado, a responsabilidade pelo defeito é objetiva e solidária entre o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, os quais responderão conjuntamente pelos danos causados ao consumidor, independentemente de culpa.
Entretanto, Bellizze ponderou que, ao tratar do comerciante, no artigo 13, o CDC disciplinou a matéria de forma diversa, estabelecendo a responsabilidade subsidiária, de modo que ele só será responsabilizado pelo defeito quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados, ou quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis – o que não ocorreu no caso, conforme perícia juntada aos autos.
Ao afastar a aplicação da regra do artigo 844 do Código Civil, o ministro destacou que se o comerciante, em vez de alegar sua ilegitimidade passiva ou defender a improcedência do pedido em relação a si, preferiu fazer acordo com a parte autora, “tal fato não tem o condão de caracterizar a solidariedade defendida pelas recorrentes, não podendo, assim, ser estendido o efeito da transação”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. INGESTÃO DE PRODUTO (SUCO) CONTENDO CORPO ESTRANHO (FUNGOS). FATO DO PRODUTO. ACORDO CELEBRADO ENTRE A AUTORA E A COMERCIANTE. EXTENSÃO ÀS FABRICANTES. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 844, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ENTRE A COMERCIANTE E AS FABRICANTES PELO DEFEITO DO PRODUTO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 12 E 13 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACÓRDÃO RECORRIDO MANTIDO NA ÍNTEGRA. RECURSO DESPROVIDO.1. Cinge-se a controvérsia a definir se o acordo firmado por um dos réus, em ação indenizatória ajuizada com base no Código de Defesa do Consumidor, deve aproveitar aos demais corréus, a teor do que dispõe o § 3º do art. 844 do Código Civil.2. A Segunda Seção desta Corte Superior decidiu que a existência de corpo estranho em produtos alimentícios, como no caso dos autos, configura hipótese de fato do produto (defeito), previsto nos arts. 12 e 13 do Código de Defesa do Consumidor, não se tratando, como alegado pelas recorrentes, de vício do produto (CDC, art. 18 e seguintes).3. A regra geral da responsabilidade pelo defeito do produto é objetiva e solidária entre o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, a teor do que dispõe o art. 12 do CDC. Ou seja, todos os fornecedores acima elencados, que integram a cadeia de consumo, irão responder conjuntamente independentemente de culpa.4. Entretanto, ao tratar da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto, o Código Consumerista disciplinou de forma diversa, estabelecendo que ele somente será responsabilizado (i) quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; (ii) quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou (iii) quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis (CDC, art. 13, incisos I a III). Assim, ao contrário dos demais fornecedores, a responsabilidade do comerciante pelo fato do produto é subsidiária.5. Na hipótese, é possível concluir que a ré Sendas Distribuidora, na condição de comerciante, por ser a responsável pelo estabelecimento comercial em que a autora adquiriu o produto contaminado (Assaí Atacadista), não poderia, em tese, ser responsabilizada no caso, tendo em vista a inobservância das hipóteses previstas nos incisos I a III do art. 13 do CDC, considerando a identificação clara dos fabricantes do produto (Coca Cola Indústrias Ltda. e Leão Alimentos e Bebidas Ltda. – atual denominação Del Valle), além de ter sido constatado que não houve má conservação, visto que, segundo a perícia, o defeito ocorreu anteriormente à embalagem.6. Logo, se a ré Sendas Distribuidora, ao invés de alegar sua ilegitimidade passiva ou, considerando a teoria da asserção, tentar defender a improcedência do pedido em relação a si, preferiu firmar um acordo com a parte autora, tal fato não tem o condão de caracterizar a solidariedade defendida pelas recorrentes, não podendo ser estendido o efeito da transação, considerando a inaplicabilidade da regra do art. 844, § 3º, do Código Civil ao caso.7. Recurso especial desprovido.
Leia o acórdão no REsp 1.968.143.