A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há o dever de revisão de ofício da prisão preventiva a cada 90 dias – como prevê o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal (CPP) – quando o acusado está foragido.
A decisão manteve o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que negou habeas corpus para um réu foragido, acusado de associação criminosa, crime contra a economia popular e crime contra as relações de consumo.
A defesa sustentou, com base na literalidade do dispositivo do CPP, que o marco para a revisão da prisão preventiva a cada 90 dias (sem a qual a medida se torna ilegal) seria a sua decretação pelo órgão judicial competente, independentemente de execução.
Análise da finalidade da norma
O relator do recurso da defesa no STJ, ministro Ribeiro Dantas, afirmou que, de fato, o texto legal menciona que deverá ocorrer a revisão da custódia quando decretada a prisão, e não quando efetivamente cumprida. Ele destacou ainda que a simples existência de tal cautelar implica constrangimento ao seu destinatário e que, como nenhum constrangimento pode durar indefinidamente, isso levaria a concluir pela necessidade de revisão da medida, enquanto subsistir o decreto.
Entretanto, o magistrado considerou que, nesse caso, deve-se analisar a finalidade da norma, a qual busca evitar o “gravíssimo constrangimento” a que está submetido aquele que se encontra privado de sua liberdade, situação bem mais penosa que a advinda da simples ameaça de prisão.
“Somente gravíssimo constrangimento, como o sofrido pela efetiva prisão, justifica o elevado custo dispendido pela máquina pública com a promoção desses numerosos reexames impostos pela lei”, declarou.
Para o ministro, não seria razoável nem proporcional obrigar todos os juízos criminais brasileiros a revisar de ofício, a cada 90 dias, toda e qualquer prisão preventiva decretada e não cumprida, tendo em vista que, na prática, há réus que permanecem foragidos por anos.
\”Caso o indiciado viesse a continuar foragido, por exemplo, pelo período de 15 anos, o juízo processante seria obrigado a reexaminá-la, ex officio, quase 60 vezes. E mais: esse mesmo juízo teria de fazê-lo em um sem-número de processos, cujas prisões foram decretadas e não cumpridas\”, comentou o relator.
Fuga mantém fundamentos para a prisão preventiva
De acordo com Ribeiro Dantas, ainda que se fizesse uma interpretação do dispositivo considerando a suposta vontade ou motivação do legislador, a finalidade da norma continuaria a se referir apenas ao afastamento do constrangimento da efetiva prisão, e não ao que decorre de mera ameaça de prisão, conforme a jurisprudência do STJ.
“Se o acusado se encontra foragido, já se vislumbram, antes mesmo de qualquer reexame da prisão, fundamentos para mantê-la – quais sejam, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal –, os quais, aliás, conservar-se-ão enquanto perdurar a condição de foragido do acusado”, concluiu.
Ele ponderou ainda que a inexistência do dever de reexame da prisão, de ofício, não impede que o acusado foragido, por meio de sua defesa, provoque periodicamente o juízo na tentativa de revogar ou relaxar a prisão.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR E CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PIRÂMIDE FINANCEIRA. ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ACUSADO FORAGIDO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE REVISÃO PERIÓDICA DA CUSTÓDIA CAUTELAR. RECURSO DESPROVIDO.1. Dispões o art. 316, parágrafo único, do CPP, que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.2. No caso dos presentes autos, não há o dever de revisão, ex officio, periodicamente, da prisão preventiva, pois o acusado encontra-se foragido.2. Mediante interpretação teleológica de viés objetivo – a qual busca aferir o fim da lei, e não a suposta vontade do legislador, visto que aquela pode ser mais sábia do que este –, a finalidade da norma que impõe o dever de reexame ex officio buscar evitar o gravíssimo constrangimento experimentado por quem, estando preso, sofre efetiva restrição à sua liberdade, isto é, passa pelo constrangimento da efetiva prisão, que é muito maior do que aquele que advém da simples ameaça de prisão. Não poderia ser diferente, pois somente gravíssimo constrangimento, como o sofrido pela efetiva prisão, justifica o elevado custo despendido pela máquina pública com a promoção desses numerosos reexames impostos pela lei.3. Não seria razoável ou proporcional obrigar todos os Juízos criminais do país a revisar, de ofício, a cada 90 dias, todas as prisões preventivas decretadas e não cumpridas, tendo em vista que, na prática, há réus que permanecem foragidos por anos.4. Mesmo que se adote interpretação teleológica de viés subjetivo – relacionada ao fim da lei, tendo em vista suposta vontade ou motivação do legislador –, a finalidade da norma aqui discutida continuará a se referir apenas a evitar o constrangimento da efetiva prisão, e não a que decorre de mera ameaça de prisão. Isso porque, consoante ensinamento do Exmo. Ministro João Otávio de Noronha (AgRg no RHC 153.541⁄RS), citando Guilherme de Souza Nucci, “o objetivo principal desse parágrafo [do art. 316 do CPP] se liga ao juízo de primeiro grau, buscando-se garantir que o processo, com réu preso, tenha uma rápida instrução para um término breve”.5. Assim, se o acusado – que tem ciência da investigação ou processo e contra quem foi decretada a prisão preventiva – encontra-se foragido, já se vislumbram, antes mesmo de qualquer reexame da prisão, fundamentos para mantê-la – quais sejam, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal –, os quais, aliás, conservar-se-ão enquanto perdurar a condição de foragido do acusado. Assim, pragmaticamente, parece pouco efetivo para a proteção do acusado, obrigar o Juízo processante a reexaminar a prisão, de ofício, a cada 90 dias, nada impedindo, contudo, que a defesa protocole pedidos de revogação ou relaxamento da custódia, quando entender necessário.6. Recurso ordinário em habeas corpus não provido.
Leia o acórdão no RHC 153.528.