Para Quarta Turma, peticionar nos autos não implica ciência inequívoca da sentença nem dispensa intimação formal

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a prática espontânea do ato de peticionar nos autos não implica ciência inequívoca da sentença nem dispensa a intimação formal.

Para o colegiado, a necessidade de ciência inequívoca da parte é princípio basilar do processo civil que não pode ser mitigado pelo processo eletrônico (Lei 11.419/06), ainda mais quando o sistema utilizado pelo tribunal apresentar caminhos distintos e independentes para o peticionamento e para o acesso aos autos, como acontece no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM).

Com esse entendimento, a turma deu provimento ao recurso especial interposto por Amazonas Distribuidora de Energia S.A. contra decisão do TJAM tomada no curso de execução de título extrajudicial no valor de cerca de R$ 52 milhões.

O tribunal estadual considerou que, ao peticionar nos autos do processo eletrônico, a distribuidora de energia teria acessado o teor da sentença ainda não publicada oficialmente, ficando desde logo intimada da decisão.

No recurso ao STJ, a empresa pleiteou a restituição do prazo para manifestar-se sobre a sentença, alegando não ter tido ciência de seu conteúdo. Solicitou ainda a adequação do entendimento do TJAM à diretriz jurisprudencial do STJ.

Não se aplica

Para a relatora, ministra Isabel Gallotti, não prospera a alegação do tribunal local de que a recorrente teve acesso aos autos antes de peticionar e que, por isso, deveria incidir o artigo 9º da Lei 11.419/06.

O parágrafo 1º do artigo 9º da Lei do Processo Eletrônico considera como “vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais” as “citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à integra do processo correspondente”, mas, segundo a ministra, isso não se aplica ao caso em julgamento, porque a apresentação de petição não é citação, intimação, notificação ou remessa.

No entender da relatora, o conteúdo da petição apresentada espontaneamente pelo recorrente no processo não tinha relação alguma com a sentença não publicada, mas já integrante dos autos na data do peticionamento.

“Com efeito, nada do texto da petição indicava conhecimento da sentença; ao contrário, seu conteúdo seria até mesmo incompatível com a existência de decisão de mérito desfavorável à requerente, como, aliás, anotado na decisão que, inicialmente, concedera efeito suspensivo ao agravo na origem”, observou.

Prudência

Segundo Isabel Gallotti, a jurisprudência do STJ considera que a “ciência inequívoca” capaz de dispensar a publicação do ato processual exige um elevado grau de certeza quanto à possibilidade de a mensagem ter realmente chegado ao conhecimento do destinatário.

Ela ressaltou que, havendo alguma dúvida, “a prudência recomenda a publicação da decisão”. No caso analisado, observou a ministra, não é possível concluir, pela descrição dos fatos, que, a partir do comparecimento espontâneo da parte aos autos para peticionar, tenha havido ciência inequívoca do conteúdo da sentença.

“Permaneço na convicção de que os indícios apontados de que teria havido acesso aos autos antes do peticionamento – a indicação na petição apresentada de folhas específicas dos autos (todas anteriores à sentença) e data dessa apresentação (dois dias após a prolação da sentença) – não conferem o grau de certeza (segurança) necessário e suficiente para autorizar o afastamento do procedimento legal e específico de intimação”, disse a relatora.

A ministra destacou que a dispensa da intimação traria para a parte “a grave consequência de não poder interpor eventual recurso contra a sentença”, em um caso que envolve “elevadíssimas quantias”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ELETRÔNICO. LEI 11.419⁄2006. INTIMAÇÃO. PRESUNÇÃO LEGAL DE ACESSO AOS AUTOS. PETICIONAMENTO ESPONTANEO SEM RELAÇÃO COM O ATO DECISÓRIO. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO LEGAL DE ACESSO AO PROCESSO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA NÃO COMPROVADA.
1. A necessidade de regular intimação da parte acerca das decisões constitui princípio basilar do processo civil (CPC⁄73, arts. 236 e 242 e CPC⁄2015, arts. 272 e 1003), em nada enfraquecido ou mitigado pela Lei 11.419⁄2006.
2. A lei do processo eletrônico substituiu a carga do processo físico, a partir da qual o advogado tomava ciência pessoal do conteúdo dos autos, pela ciência pessoal em decorrência do acesso aos autos eletrônicos, ensejado pelas “citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente”.
3. Havendo intimação formal, a possibilidade de acesso do advogado implica sua ciência pessoal presumida de todo o conteúdo do processo, nos termos do art. 9º, §1º, da Lei 11.419⁄2006. Trata-se de presunção legal aplicável apenas em caso de intimação formal.
4. Não tendo havido intimação formal, o que é incontroverso no caso em exame, não houve acesso e conhecimento presumidos, nos termos da lei de regência.
5. O peticionamento espontâneo, sem comprovado acesso aos autos, não precedido de intimação formal, somente poderia ensejar a conclusão de ciência inequívoca da parte se o conteúdo da petição deixasse claro, indene de dúvidas, o conhecimento a propósito do ato judicial não publicado. Precedentes do STJ.
6. Hipótese em que o conteúdo da petição apresentada espontaneamente pela parte não faz presumir a existência de sentença; ao contrário, é incoerente com o conhecimento da sentença, conforme destacado pela decisão que concedera efeito suspensivo ao agravo, na origem.
7. Recurso especial provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1739201

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