Para fins de penhora, cotas de investimento variável não equivalem a dinheiro em espécie

Em julgamento sob o rito de repetitivos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que cotas em fundos de investimento não equivalem a dinheiro em espécie, para fins de penhora em ação de execução contra instituição financeira.

O entendimento ementado pelos ministros diz que “a cota de fundo de investimento não se subsume à ordem de preferência legal disposta no inciso I do artigo 655 do CPC/73 (ou no inciso I do artigo 835 do novo Código de Processo Civil)”.

No caso analisado, um correntista ingressou com ação contra o banco HSBC (antigo Bamerindus) para cobrar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos da década de 80. Após o trânsito em julgado da ação, reconhecendo o direito do cliente, o banco ofereceu à penhora cotas de fundos de investimento.

O cliente se recusou a receber os valores em cotas e alegou que teria prejuízo caso recebesse dessa forma. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou o depósito em espécie. Para o HSBC, o depósito em dinheiro causa prejuízo à instituição financeira, que teria que retirar fundos de uma aplicação para efetuar o depósito da quantia em discussão judicial.

O banco argumentou que a penhora em cotas tem o mesmo valor que o depósito em dinheiro. A instituição financeira buscou no STJ reverter a decisão do tribunal paulista.

Riscos

Para o ministro relator do recurso, Marco Aurélio Bellizze, não é possível equiparar cotas de investimento a dinheiro em espécie. Bellizze explica que há riscos envolvidos nos investimentos, que constituem rendas variáveis.

No voto, acompanhado pelos demais ministros da corte, o relator explica que as cotas não se encontram em primeiro lugar na ordem legal de preferência da penhora.

“Diversamente do que ocorre com o dinheiro em espécie, com o dinheiro depositado em conta bancária ou com aquele representado por aplicações financeiras, em que a constrição recai sobre um valor certo e líquido, as cotas de fundo de investimentos encontram-se vinculadas às variações e aos riscos de mercado, de crédito e de liquidez atinentes aos ativos financeiros componentes da carteira, em maior ou menor grau, o que, por si só, justifica a diversidade de gradação, para efeito de penhora, imposta pela lei adjetiva civil”, explica o ministro.

O entendimento do STJ foi no mesmo sentido do Ministério Público Federal (MPF), que opinou pela rejeição do recurso da instituição financeira. Com a decisão, todos os processos sobre o tema que estavam sobrestados no País devem ser julgados com base nesse entendimento, tanto os que se iniciaram sob a regência do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 quanto as ações iniciadas após o novo código entrar em vigor.

Prejuízo

O julgamento concluiu que o fato de o vencedor da ação se recusar a receber a penhora em cotas de fundo de investimento não impõe onerosidade excessiva à instituição financeira, tampouco violação do dever de recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários da instituição ao Banco Central do Brasil.

Para os ministros, trata-se de uma obrigação inerente ao perdedor em uma ação dessa natureza.

A tese do banco, na visão dos ministros, não beneficia o cliente, como no caso analisado.

“A expectativa de rentabilidade, adstrita à volatilidade do mercado, caso venha a se concretizar, somente beneficiará o banco executado, em nada repercutindo na esfera de direito do exequente, que tem seu crédito restrito aos termos do título executivo, no caso, transitado em julgado”, conclui Marco Aurélio Bellizze.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APRESENTAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO E NOMEAÇÃO À PENHORA DE COTA DE FUNDO DE INVESTIMENTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXECUTADA. 1. PRETENSÃO DE EQUIPARAÇÃO A DINHEIRO REPRESENTADO EM APLICAÇÃO FINANCEIRA. IMPOSSIBILIDADE. VALOR MOBILIÁRIO, SEGUNDO A DICÇÃO DO ART. 2º, V, DA LEI N. 6.385⁄76 E EM CONSONÂNCIA COM SUA NATUREZA JURÍDICA. 2. RECUSA DO EXECUTADO, CONSIDERADA LEGÍTIMA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS A PARTIR DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO DEVEDOR. NÃO OCORRÊNCIA. CONCLUSÃO QUE NÃO IMPLICA INOBSERVÂNCIA DA INTANGIBILIDADE DOS DEPÓSITOS MANTIDOS NO BANCO CENTRAL DO BRASIL OU DA IMPENHORABILIDADE DAS RESERVAS BANCÁRIAS. 3. CONFORMAÇÃO DAS TESES PARA EFEITO DO ART. 543-C DO CPC (ART. 1.036 NCPC). 4. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. A partir da própria literalidade do art. 2º, V, da Lei n. 6.385⁄76, as cotas de fundo de investimento são valores mobiliários, e, como tal, não constam, em primeiro lugar, na ordem legal de preferência da penhora. Diversamente do que ocorre com o dinheiro em espécie, com o dinheiro depositado em conta bancária ou com aquele representado por aplicações financeiras, em que a constrição recai sobre um valor certo e líquido, as cotas de fundo de investimentos encontram-se vinculadas às variações e aos riscos de mercado, de crédito e de liquidez atinentes aos ativos financeiros componentes da carteira, em maior ou menor grau, o que, por si só, justifica a diversidade de gradação, para efeito de penhora, imposta pela lei adjetiva civil.
2. A gradação legal estabelecida no art. 655 do CPC⁄73, estruturado de acordo com o grau de aptidão satisfativa do bem penhorável, embora seja a regra, não tem caráter absoluto, podendo ser flexibilizada, em atenção às particularidades do caso concreto, sopesando-se, necessariamente, a potencialidade de satisfação do crédito, na medida em que a execução se processa segundo os interesses do credor (art. 612), bem como a forma menos gravosa ao devedor (art. 620).
2.1 Em se reconhecendo a legitimidade da recusa da nomeação do valor mobiliário sob comento (com esteio nas particularidades do caso concreto), cabe à instituição financeira, de reconhecida e incontroversa capacidade financeira, proceder à garantia do juízo, que poderá recair sobre numerário constante de suas agências ou sobre o produto do capital investido em suas noticiadas aplicações financeiras, ainda que para isso tenha que efetivar o correlato resgate ou deixar de lucrar a rentabilidade esperada, circunstâncias que não dizem respeito ao exequente, cujos interesses norteiam o desenvolvimento do processo executivo, tampouco evidenciam, por si, onerosidade excessiva ao devedor. Providência, é certo, que não toca a intangibilidade dos depósitos mantidos no Banco Central, tampouco a impenhorabilidade das reservas bancárias.
3. Para fins do art. 543-C do CPC⁄73 (art. 1.036 do NCPC):
3.1. A cota de fundo de investimento não se subsume à ordem de preferência legal disposta no inciso I do art. 655 do CPC⁄73 (ou no inciso I do art. 835 do NCPC).
3.2.  A recusa da nomeação à penhora de cotas de fundo de investimento, reputada legítima a partir das particularidades de cada caso concreto, não encerra, em si, excessiva onerosidade ao devedor, violação do recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários do Banco Central do Brasil ou afronta à impenhorabilidade das reservas obrigatórias.
4. Recurso Especial improvido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1388638

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