Morte de consignante não extingue dívida oriunda de crédito consignado

A morte da pessoa contratante de crédito consignado com desconto em folha de pagamento (consignante) não extingue a dívida por ela contraída, já que a Lei 1.046/50, que previa a extinção da dívida em caso de falecimento, não está mais em vigor, e a legislação vigente não tratou do tema. Dessa forma, há a obrigação de pagamento da dívida pelo espólio ou, caso já tenha sido realizada a partilha, pelos herdeiros, sempre nos limites da herança transmitida.

O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi firmado ao negar recurso especial que buscava o reconhecimento da extinção da dívida pela morte da consignante e, por consequência, o recálculo do contrato e a condenação da instituição financeira a restituir em dobro os valores cobrados.

De acordo com o recorrente, a Lei 1.046/50 não foi revogada pela Lei 10.820/03, já que a lei mais recente não tratou de todos os assuntos fixados pela legislação anterior, de forma que não haveria incompatibilidade legal de normas sobre a consequência das dívidas em razão do falecimento do contratante do empréstimo.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, destacou inicialmente que, pelo contexto extraído dos autos, não é possível confirmar se a consignante detinha a condição de servidora pública estatutária ou de empregada regida pelo regime celetista, tampouco foi esclarecido se ela se encontrava em atividade ou inatividade no momento da contratação do crédito.

A relatora também ressaltou que a Lei 1.046/50, que dispunha sobre a consignação em folha de pagamento para servidores civis e militares, previa em seu artigo 16 que, ocorrido o falecimento do consignante, ficaria extinta a dívida. Por sua vez, a Lei 10.820/03, relativa à autorização para desconto de prestações em folha dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não tratou das hipóteses de morte do contratante e, na verdade, versa sobre situações distintas daquelas anteriormente previstas pela Lei 1.046/50.

Regras revogadas

No caso dos servidores públicos estatutários, a ministra também apontou que a jurisprudência do STJ foi firmada no sentido de que, após a edição da Lei 8.112/90, foram suprimidas de forma tácita (ou indireta) as regras de consignação em pagamento previstas pela Lei 1.046/50.

De acordo com a relatora, mesmo sem ter certeza da condição da consignante (estatutária ou celetista), a conclusão inevitável é a de que o artigo 16 da Lei 1.046/50, que previa a extinção da dívida em caso de falecimento do consignante, não está mais em vigor.

“Assim, a morte da consignante não extingue a dívida por ela contraída mediante consignação em folha, mas implica o pagamento por seu espólio ou, se já realizada a partilha, por seus herdeiros, sempre nos limites da herança transmitida (artigo 1.997 do Código Civil de 2002)”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. FALECIMENTO DA CONSIGNANTE. EXTINÇÃO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ART. 16 DA LEI 1.046⁄50. REVOGAÇÃO TÁCITA. JULGAMENTO: CPC⁄73.
1. Embargos à execução de contrato de crédito consignado opostos em 11⁄04⁄2013, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 29⁄04⁄2014 e atribuído ao gabinete em 25⁄08⁄2016.
2. O propósito recursal é dizer sobre a extinção da dívida decorrente de contrato de crédito consignado em folha de pagamento, em virtude do falecimento da consignante.
3. Pelo princípio da continuidade, inserto no art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, excetuadas as hipóteses legalmente admitidas, a lei tem caráter permanente, vigendo até que outra a revogue. E, nos termos do § 1º do referido dispositivo, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare (revogação expressa), quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita).
4. A leitura dos arts. 3º e 4º da Lei 1.046⁄50 evidencia que se trata de legislação sobre consignação em folha de pagamento voltada aos servidores públicos civis e militares.
5. Diferentemente da Lei 1.046⁄50, a Lei 10.820⁄03 regula a consignação em folha de pagamento dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e dos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social.
6. Segundo a jurisprudência do STJ, houve a ab-rogação tácita ou indireta da Lei 1.046⁄50 pela Lei 8.112⁄90, pois esta tratou, inteiramente, da matéria contida naquela, afastando, em consequência, a sua vigência no ordenamento jurídico.
7. Malgrado a condição da consignante – se servidora pública estatutária ou empregada celetista; se ativa ou inativa – não tenha sido considerada no julgamento dos embargos à execução opostos pelo espólio, tal fato não impede o julgamento deste recurso especial, porquanto, sob qualquer ângulo que se analise a controvérsia, a conclusão é uma só: o art. 16 da Lei 1.046⁄50, que previa a extinção da dívida em virtude do falecimento do consignante, não está mais em vigor, e seu texto não foi reproduzido na legislação vigente sobre o tema.
8. No particular, a morte da consignante não extingue a dívida por ela contraída mediante consignação em folha, mas implica o pagamento por seu espólio ou, se já realizada a partilha, por seus herdeiros, sempre nos limites da herança transmitida (art. 1.997 do CC⁄02).
9. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foi rejeitada a tese sustentada pela recorrente, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.
10. Recurso especial conhecido e desprovido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1498200

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