As condições de segurança, saúde e higiene de trabalho afetam tanto celetistas quanto estatutários
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para julgar uma ação civil pública que visa obrigar a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Espírito Santo a adequar as condições de trabalho da Delegacia de Polícia Civil de Bom Jesus do Norte. Segundo o colegiado, o caso trata de tutela do meio ambiente do trabalho e, portanto, se insere na competência da Justiça especializada, quer se trate de servidor público estatutário ou celetista.
Inadequação das instalações
A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) a partir de denúncia do sindicato dos policiais a respeito de diversas unidades, entre elas a Delegacia de Bom Jesus. Após diligência, a Defesa Civil do município constatou as más condições das instalações elétricas, com fiação exposta, falta de proteção contra incêndios, instalações sanitárias inadequadas e sem higienização, umidade, mofo e rachaduras, risco de queda e móveis inadequados.
Em sua defesa, o Estado do Espírito Santo sustentou que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a Justiça do Trabalho não seria competente para julgar o caso, que envolvia servidores públicos estatutários.
Competência
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), no entanto, considerou que o estado, como empregador, tem o dever de garantir a seus funcionários um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado. Ainda, de acordo com o TRT, o caso não tem como partes o poder público e seus servidores, mas o MPT, que buscava medidas protetivas em relação às condições de trabalho. “A competência, nessa hipótese, é da Justiça do Trabalho, independentemente do vínculo jurídico dos trabalhadores”, concluiu.
Estatutários, celetistas e terceirizados
Para o relator do agravo de instrumento do estado, ministro Mauricio Godinho Delgado, a natureza do vínculo entre o ente público e o trabalhador, no caso concreto, não é relevante para alterar a competência da Justiça do Trabalho. Ele lembrou que é comum, na administração pública, a convivência de pessoas de diferentes vínculos (estatutários, celetistas, prestadores de serviços terceirizados e estagiários) e que o cumprimento das condições de segurança, saúde e higiene de trabalho deve servir para todos. ”Seria inviável definir a competência em ações como essa tendo como fundamento determinante a condição jurídica individual de cada trabalhador dentro da administração pública”, explicou.
O ministro observou, ainda, que, de acordo com o entendimento do STF sobre a matéria (Súmula 736), a limitação de competência da Justiça do Trabalho em relação a servidores estatutários não alcança ações que tratem do descumprimento de normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM FACE DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. TUTELA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. ABRANGÊNCIA DE TODOS OS TRABALHADORES DA DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE BOM JESUS DO NORTE, INCLUSIVE DOS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS. MATÉRIA EMINENTEMENTE TRABALHISTA. SÚMULA 736 DO STF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 2. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. Nesta fase processual, encontra-se em discussão qual seria o Órgão jurisdicional competente para julgar ação civil pública tendo como objeto a tutela do meio ambiente do trabalho, por meio da qual se busca dar efetividade ao comando do art. 225 da Constituição Federal. A presente ação tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Estado, das normas relativas à higiene, saúde e segurança do trabalho – o que configura direito constitucionalmente assegurado tanto aos trabalhadores regidos pela CLT quanto àqueles submetidos ao regime estatutário, conforme o disposto nos arts. 7º, XXII, e 39, § 3º, da CF. Frise-se que a natureza do vínculo empregatício firmado entre o ente público e o trabalhador, no caso concreto, não tem relevância para alterar a competência para julgar esta lide, haja vista que a tutela do meio ambiente do trabalho deve se dar de forma efetiva e adequada, quer se trate de servidor público estatutário, quer envolva empregados celetistas – de modo que o bem jurídico que se busca proteger se encontra diretamente relacionado à competência da Justiça do Trabalho, subsumindo-se às hipóteses previstas no art. 114, I, da Constituição Federal. Ressalte-se ser comum que, no mesmo ambiente laboral dos Órgãos públicos, convivam pessoas ligadas à Administração Pública por diferentes vínculos: servidores públicos estatutários, empregados públicos regidos pela CLT, servidores contratados por tempo determinado (Lei 8.745/93), trabalhadores prestadores de serviços terceirizados e estagiários. Nesse contexto, como as condições de segurança, saúde e higiene de trabalho afetam todos os trabalhadores indistintamente, seria inviável definir a competência para apreciar ações como esta, tendo como fundamento determinante a condição jurídica individual de cada trabalhador dentro da Administração Pública. Cuida-se, dessarte, de situação distinta da examinada pelo STF na ADI 3.395-6, para a qual a definição da competência jurisdicional decorreu da natureza do regime jurídico: se celetista ou estatutário. Destaque-se, inclusive, que o entendimento jurisprudencial do STF acerca da matéria em discussão demonstra que a limitação de competência imposta à Justiça do Trabalho pela decisão daquela Corte na ADI 3395-6 não alcança as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Nessa linha de raciocínio, tem aplicação à hipótese dos autos a Súmula 736 do STF, segundo a qual ” compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores “. Portanto insere-se no âmbito da competência material da Justiça do Trabalho a apreciação e julgamento de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, mediante a qual se formulam pedidos relativos à adequação do meio ambiente de trabalho, em face de ente público, para todos os trabalhadores, independentemente do vínculo jurídico laboral, inclusive para os servidores estatutários. Julgados desta Corte Superior. Agravo de instrumento desprovido.
Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo.
Processo: AIRR-1539-04.2017.5.17.0132