Indícios de crime permanente legitimam ingresso da polícia em imóvel sem ordem judicial

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que, havendo elementos suficientes da prática de crime permanente, foi legítima a entrada de policiais em domicílio particular sem mandado judicial, mas com autorização de parente hospedado no local.

A decisão, unânime, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que negou o trancamento de ação penal contra mãe e filho suspeitos de tráfico de entorpecentes.

A investigação partiu de denúncia anônima sobre o plantio de maconha em propriedade rural localizada em São José dos Pinhais (PR). A revista foi autorizada por uma mulher que estava na casa e se identificou como nora da dona da chácara. Os policiais visualizaram a plantação e identificaram o cheiro característico da droga. Foram encontrados 155 pés de maconha, 780g de sementes e utensílios utilizados na estufa destinada ao cultivo da planta.

Presos em flagrante, a dona da chácara e seu filho obtiveram liberdade provisória após a audiência de custódia. Em habeas corpus dirigido ao TJPR, a defesa pleiteou o trancamento da ação penal, sustentando a ilicitude das provas. Alegou que a revista policial violou a garantia de inviolabilidade do domicílio, uma vez que os policiais não sabiam do flagrante até entrarem no local. Além disso, a autorização para ingresso na propriedade foi dada por pessoa não residente da chácara. O pedido foi negado.

Teoria da apar​​​ência

No recurso apresentado ao STJ, a defesa reiterou as alegações. O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou que o cenário antecedente mostra riqueza de elementos indicativos da prática de crime, “não sendo possível vislumbrar nulidade das provas obtidas por meio do ingresso dos policiais na residência”.

Fonseca afirmou que, mesmo a autorização tendo sido dada por pessoa não residente no imóvel – no caso, uma hóspede não eventual –, essa situação não é capaz, por si só, de tornar ilícita a ação policial. Para o relator, é o caso de aplicação da teoria da aparência, pois quem autorizou o ingresso dos agentes foi a ex-companheira do filho da proprietária, que se referiu a ela como “sogra”.

A teoria da aparência define a aparência de direito como sendo “uma situação de fato que manifesta como verdadeira uma situação jurídica não verdadeira, e que, por causa do erro escusável de quem, de boa-fé, tomou o fenômeno real como manifestação de uma situação jurídica verdadeira, cria um direito subjetivo novo, mesmo à custa da própria realidade” (RMS 57.540).

Tráfico é crime pe​rmanente

O ministro explicou também que o tráfico de drogas é crime permanente, e está em flagrante quem o pratica em sua residência, ainda que para guarda ou depósito. “Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva”, afirmou.

O magistrado lembrou que são necessárias fundadas razões (justa causa) para que o ingresso em domicílio seja considerado válido e regular. “Somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir que se conclua, para além de dúvida razoável, que a residência está sendo palco de um delito”, declarou.

O relator chamou atenção para o fato de a jurisprudência cada vez mais considerar inválido o ingresso da polícia em residência quando não ficar demonstrada a presença de elementos indicativos de causa provável, não se tolerando, por exemplo, a invasão de domicílio baseada apenas em denúncia anônima.

Contudo, segundo Fonseca, essa não é a hipótese dos autos. “Existia crime permanente (situação flagrancial) a ser interrompido pelo Estado. Não há, portanto, que se falar, de plano, em nulidade das provas obtidas mediante ingresso dos policiais no imóvel, de maneira que inexiste motivo para que se conceda a ordem de habeas corpus”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS TRÁFICO DE DROGAS. TRANCAMENTO. INGRESSO EM DOMICÍLIO. AUTORIZAÇÃO POR PESSOA NÃO RESIDENTE NO IMÓVEL. INGRESSO MOTIVADO POR FUNDADAS RAZÕES. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.

1.  O trancamento do inquérito ou da ação penal pela estreita via do habeas corpus somente se mostra viável quando, de plano, comprovar-se a inépcia da inicial acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de causa extintiva de punibilidade ou, finalmente, quando se constatar a ausência de elementos indiciários de autoria ou de prova da materialidade do crime.

2. Por importar violação de domicílio, o mandado de busca deve ser preciso e determinado, indicando o mais precisamente possível a casa a ser diligenciada, o nome do proprietário (ou morador), não sendo admissível o mandado genérico, sob pena de tornar inviável o controle sobre os atos do Estado contra o direito individual.

3. O tráfico ilícito de entorpecentes  é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua propriedade, ainda que na modalidade de guardar ou ter em depósito. Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva.  Autorização por pessoa que chama a proprietária (usucapião) da chácara de sogra e é mãe da neta da acusada.  Precedentes do STF e do STJ.

4. Neste caso, o contexto fático antecedente mostra riqueza de elementos indicativos da prática delituosa, de modo que não há como acolher o pleito de nulidade das provas obtidas por meio do ingresso dos policiais na residência dos recorrentes. Ad argumentandum tantum, ainda que se desconsidere a autorização de entrada, dada por pessoa não residente no imóvel (hóspede), as demais circunstâncias que envolvem a ocorrência fornecem elementos sobejantes para permitir, em princípio, a providência tomada pelos agentes policiais.

5. De qualquer forma, a moldura fática delineada no acórdão do TJPR não permite alcançar conclusão segura quanto à alegada irregularidade da busca realizada na residência dos recorrentes. Para verificar se o ingresso dos agentes policiais no domicílio foi devidamente autorizado ou se a busca domiciliar foi precedida de averiguação quanto aos fatos narrados na denúncia anônima seria necessária ampla dilação probatória, procedimento incompatível com a via estreita do habeas corpus. Precedentes.

6. Recurso ordinário improvido.

Leia o acórdão no RHC 141.544.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC 141544

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