Para a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estacionar veículo em vaga reservada a pessoas com deficiência não configura dano moral coletivo.
Os ministros mantiveram decisão que extinguiu, sem resolução de mérito , uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo que pedia a condenação de um motorista ao pagamento de compensação por dano moral coletivo, por ter estacionado em vaga de uso privativo.
A ação foi ajuizada em razão do grande número de autuações realizadas pelos agentes de trânsito, sob o argumento de que as penalidades administrativas previstas para tais situações não estão sendo suficientes para coibir o uso indevido das vagas reservadas a pessoas com deficiência ou idosos.
A primeira instância julgou o processo extinto sem resolução de mérito, apontando falta de interesse processual e de respaldo legal para o pedido. O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença.
No recurso especial apresentado ao STJ, o Ministério Público sustentou ser cabível a condenação em dano moral coletivo. Para o órgão, esse dano seria presumido (in re ipsa ) diante da violação dos direitos das pessoas com deficiência e do desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Dano moral coletivo exige agressão a valores fundamentais da sociedade
Para o relator, ministro Francisco Falcão, o dano moral coletivo é categoria autônoma de dano, independente de atributos da pessoa, e se configura nos casos em que há lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, quando demonstrado que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva.
Segundo o magistrado, somente quando preenchidos esses requisitos, o dano se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
O ministro destacou que, a partir desse delineamento conceitual, a jurisprudência do STJ tem entendido ser possível a condenação em determinados casos, a exemplo da situação recorrente de caminhões trafegando em rodovias com excesso de peso, como tem julgado a Segunda Turma (AgInt nos EDcl no AREsp 1.772.681).
Estacionar em local proibido é infringir lei de trânsito
Falcão observou, no entanto, que os pedidos de condenação de motoristas por dano moral coletivo, em razão de terem estacionado em vaga reservada a pessoa com deficiência, têm sido reiteradamente negados pelos ministros que compõem o colegiado.
“Em casos tais, esta Segunda Turma não tem acolhido a pretensão condenatória, considerando a ausência de elementos que – não obstante a relevância da tutela coletiva dos direitos da pessoa com deficiência ou idosa – evidenciem a conduta que agrida, de modo intolerável, os valores fundamentais da sociedade”, acrescentou. Para o relator, não há como afastar a conclusão do acórdão recorrido, pois não se pode afirmar que a conduta tenha infringido valores fundamentais da sociedade ou que possua os atributos de gravidade e de intolerabilidade. “O caso trata, pois, de infringência à lei de trânsito, o que é insuficiente para a caracterização do dano moral coletivo”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ESTACIONAR VEÍCULO EM VAGA RESERVADA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INFRINGÊNCIA A VALORES FUNDAMENTAIS DA SOCIEDADE OU ATRIBUTOS DA GRAVIDADE E INTOLERABILIDADE. MERA INFRINGÊNCIA À LEI DE TRÂNSITO; I – Na origem, trata-se de ação civil pública visando à condenação do réu, condutor de veículo automotor, ao pagamento de compensação por dano moral coletivo, em razão de ter estacionado em vaga reservada à pessoa com deficiência; II – A ação foi extinta, sem resolução de mérito, em razão da falta de interesse processual e ausência de respaldo legal para a pretensão. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em grau recursal, manteve a sentença; III – O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano, independente de atributos da pessoa humana (dor, sofrimento etc.), e que se configura nos casos em que há lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade e fique demonstrado que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva. Preenchidos esses requisitos, o dano configura-se in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral; IV – No caso, o pedido veiculado na exordial é de condenação do réu condutor de veículo automotor ao pagamento de compensação por dano moral coletivo, em razão de ter estacionado em vaga reservada à pessoa com deficiência; ausentes peculiaridades do caso, como reincidência ou maior desvalor na conduta da pessoa natural. Em casos tais, esta Segunda Turma não tem acolhido a pretensão condenatória, considerando a ausência de elementos que, não obstante a relevância da tutela coletiva dos direitos da pessoa com deficiência ou idosa, evidenciem que a conduta agrida, de modo intolerável, os valores fundamentais da sociedade. Precedentes: AgInt no AREsp 1826143⁄SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27⁄9⁄2021, DJe 1⁄10⁄2021; AgInt no AREsp 1820258⁄SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 31⁄5⁄2021, DJe 2⁄6⁄2021; AgInt no AREsp 1758510⁄RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 31⁄5⁄2021, DJe 2⁄6⁄2021; V – Assim, na hipótese em exame, não há como afastar a conclusão do Tribunal de origem, para afirmar que a conduta em tela tenha infringido valores fundamentais da sociedade ou que possua atributos da gravidade e intolerabilidade. O caso trata, pois, de mera infringência à lei de trânsito, o que é insuficiente para a caracterização do dano moral coletivo. A propósito: REsp 1502967⁄RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7⁄8⁄2018, DJe 14⁄8⁄2018; VI – Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial.
Leia o acórdão no AREsp 1.927.324.