O espólio tem legitimidade para propor ação que busca a declaração de invalidade de negócio jurídico de doação e que pretende, em última análise, a reversão dos bens ao acervo hereditário. Nessa situação, não é necessário que o pedido de anulação seja feito pelo cônjuge ou herdeiro.
O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter decisão de segunda instância que anulou a doação das cotas societárias do falecido para a concubina. Com o desprovimento do recurso especial da concubina, os bens retornam à herança.
No recurso, a concubina alegou que a falta de outorga do cônjuge (motivo alegado para anular a doação) caracterizaria hipótese de nulidade relativa, de modo que somente os interessados diretos (cônjuges ou herdeiros) teriam legitimidade para requerer a invalidade do ato.
Segundo o ministro relator do caso no STJ, Villas Bôas Cueva, o pedido está voltado à reversão dos bens ao acervo hereditário, portanto foi correta a interpretação do tribunal de origem ao reconhecer a legitimidade do espólio.
“Considerando a amplitude da causa de pedir no caso dos autos, é cristalina a legitimidade do espólio para pleitear a invalidade no negócio jurídico de doação. Acrescenta-se, ainda, que, como cediço, enquanto não perfectibilizada a partilha, o espólio representa os interesses dos herdeiros, de modo que também por esse motivo não há espaço para falar em sua ilegitimidade ativa”, afirmou.
Tutela provisória
Em 1999, a concubina recebeu 80% da totalidade das cotas da empresa pertencentes ao doador. Em 2007, com o falecimento dele, ela ingressou com pedido na Justiça para ser admitida como administradora da sociedade, já que teria a maioria das ações. O pedido foi deferido por liminar.
Ainda em 2007, o espólio ingressou com ação para anular a doação, pleito que teve sucesso no Tribunal de Justiça de Alagoas. A concubina recorreu ao STJ.
Segundo a recorrente, o acórdão contestado teria afrontado a coisa julgada formada no julgamento do agravo de instrumento oriundo da decisão liminar proferida nos autos da ação proposta por ela contra o espólio para sua admissão como administradora exclusiva da sociedade.
Villas Bôas Cueva lembrou que a tutela provisória é marcada pelas características da temporariedade e da precariedade, não se sujeitando à imutabilidade própria da coisa julgada.
“Além disso, sobrevindo sentença, a tutela provisória é substituída pelo provimento definitivo, não havendo espaço para falar em ofensa à coisa julgada formada em provimento judicial proveniente de medida liminar”, disse o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. ESCRITURA DE DOAÇÃO. ARTIGO 485, INCISOS IV E V, DO CPC/1973. COISA JULGADA. LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O recurso especial é oriundo de ação rescisória fundada no artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973, na qual a autora apontou ofensa à coisa julgada e violação de literal disposição de lei, julgada improcedente pelo Tribunal local.
3. As questões controvertidas no presente recurso podem ser assim resumidas: (i) se o acórdão rescindendo incorreu em ofensa à coisa julgada; (ii) se o espólio é parte legítima para propor a ação anulatória de doação e (iii) se houve indevida aplicação retroativa da lei e de cláusula do contrato social. 4. A tutela provisória é marcada pelas características da temporariedade e da precariedade não se sujeitando à imutabilidade própria da coisa julgada. Além disso, sobrevindo sentença, a tutela provisória é substituída pelo provimento definitivo, não havendo espaço para falar em ofensa à coisa julgada formada em provimento judicial proveniente de medida liminar.
5. O espólio tem legitimidade para propor ação que busca a declaração de invalidade de negócio jurídico de doação voltada, em última análise, à reversão dos bens ao acervo hereditário.
6. A viabilidade da ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica.
7. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula nº 211/STJ).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1710406