Empresa criada durante recuperação judicial responderá por dívidas da antecessora

Ficou configurado, no caso, a existência de grupo econômico 

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Casa e Vídeo Rio de Janeiro S.A. contra decisão que a condenara a arcar com as dívidas da Mobilitá Comércio Indústria e Representações Ltda. A Casa e Vídeo foi constituída no âmbito da recuperação judicial da Mobilitá e, segundo o colegiado, não se trata de sucessão, mas de grupo econômico.

Ação trabalhista

O caso tem origem em reclamação trabalhista ajuizada em 2005 por um fiscal de salão da Assemp Assessoria de Empresas Ltda. que prestava serviços para a Mobilitá. Ele esperava receber verbas trabalhistas não pagas pela Assemp, com a condenação solidária da Mobilitá.

Unidades produtivas Isoladas

Em fevereiro de 2009, a Mobilitá ajuizou pedido de recuperação judicial, em razão da grave crise financeira que enfrentava, e conseguiu, na Justiça Federal, a suspensão da execução de todas as ações judiciais com pedido de pagamento de prestações pecuniárias movidas contra ela.

A Mobilitá informou que, dentro do seu plano de recuperação judicial, foram constituídas três unidades produtivas isoladas, entre elas a Casa e Vídeo Rio de Janeiro, que seria controlada por um fundo de investimento e participações (FIP) detentor da Casa e Vídeo Holding S.A.

Surpresa

Tempos depois, a Casa e Vídeo foi notificada pelo juízo da 41ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, com mandado de citação à execução, para a quitação dos débitos trabalhistas do fiscal. Na época, a empresa se disse surpresa com a citação e sustentou que não tinha nenhuma ligação com a executada.

Sucessão

Entre outros argumentos, a Casa e Vídeo disse que o plano de recuperação judicial fora aprovado pela Assembleia-Geral de Credores e que o juízo da 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, nos autos da recuperação judicial, havia afastado a existência de sucessão de empresas.

De acordo com o artigo 60, parágrafo único, da Lei de Falências (Lei 11.101/2005), o objeto de alienação (no caso, a Mobilitá) estará livre de qualquer ônus, e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. Com base nesse dispositivo, a Casa e Vídeo sustentou que não estaria obrigada a arcar com os débitos trabalhistas da devedora.

Grupo econômico

Todavia, segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), o artigo da lei não se aplicava ao caso, por não ter havido formação de grupo econômico vertical, quando uma ou mais empresas estão sob direção, controle ou administração de outra. De acordo com o TRT, consta do próprio plano de recuperação judicial o controle, pela Casa e Vídeo Rio de Janeiro, da operação de lojas localizadas no estado, entre elas a Mobilitá.

Fraude

O TRT avaliou que a Mobilitá, sociedade empresária em recuperação, fora vendida para o próprio grupo, isto é, o grupo “vendeu pra si mesmo”. Assim, afastar a responsabilidade do comprador em relação ao passivo da empresa alienada “é abrir a guarda para a fraude, e corre-se o risco de admitir que a sociedade em recuperação judicial que compra a unidade produtiva ‘lave’ o patrimônio da empresa devedora e, assim, ninguém pague os débitos”.

Agravo

Diante da decisão, a Casa e Vídeo interpôs agravo ao TST, alegando que o TRT não teria se manifestado sobre a sucessão de empresas e a formação do grupo econômico à luz do plano de recuperação judicial da Mobilitá, da sua aprovação pela Assembleia-Geral de Credores e de sua homologação judicial.

Prestação jurisdicional

Para a relatora do recurso, desembargadora convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, o Tribunal Regional analisou todas as questões relativas à controvérsia e concluiu que, diferentemente do que fora decidido pela 5ª Vara Empresarial, a discussão na Justiça do Trabalho não se refere à sucessão, mas à formação de grupo econômico.

Ainda, para a relatora, a conclusão do TRT de que a compra da unidade produtiva isolada da Mobilitá fora efetuada pela Casa e Vídeo Rio de Janeiro, do mesmo grupo econômico, afasta a aplicação do artigo 60 da Lei de Falências, “à luz das circunstâncias específicas da controvérsia”.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA EM FASE DE EXECUÇÃO. ACÓRDÃO DO AGRAVO DE PETIÇÃO PUBLICADO ANTES DA LEI 13.467/2017. IN 41/TST . PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Tribunal Regional registrou quadro fático segundo o qual a Casa e Video Rio de Janeiro adquiriu a unidade produtiva isolada da Mobilitá nos auto de recuperação judicial. Concluiu que, embora o art. 60, da Lei 11.101/2005 afaste a sucessão do comprador de unidades produtivas isoladas do devedor, alienadas e arrematadas por terceiros por autorização do Plano de Recuperação Judicial, no caso, não se trata de sucessão, mas de grupo econômico. Analisados todos os aspectos da controvérsia, não foi demonstrada a ofensa ao art. 93, XI, da Constituição Federal. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AQUISIÇÃO DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA POR EMPRESA DO PRÓPRIO GRUPO ECONÔMICO. INAPLICABILIDADE DO ART. 60, DA LEI 11.101/2005. Conforme delineado pelo Tribunal Regional, a Casa e Vídeo Rio de Janeiro foi constituída no âmbito do Plano Recuperação Judicial da Mobilitá por meio de alienação das ações da recuperanda. Entendeu evidenciado o grupo econômico vertical, hipótese em que uma ou mais empresas estão sob direção, controle ou administração de outra, uma vez que do próprio Plano de Recuperação Judicial consta o controle pela Casa e Vídeo Rio de Janeiro da operação de lojas localizadas no Estado. No caso, a compra da Unidade Produtiva Isolada da Mobilitá foi efetuada pela Casa e Vídeo Rio de Janeiro, empresa do mesmo grupo econômico, hipótese que não se enquadra no disposto no art. 60 da Lei 11.101/2005. Não evidenciada a ofensa aos arts. 5º, II, XXII, XXXVI, LV, e 170, I, da Constituição Federal. Precedentes desta Corte. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento

A decisão foi unânime.

Processo: AIRR-35600-34.2005.5.01.0041

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