Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois.
O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia.
De acordo com o processo, o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização.
Para a seguradora, houve a perda do direito à indenização por descumprimento da norma do artigo 771 do Código Civil, que impõe a ciência imediata do fato ao segurador, a fim de que possa tomar as providências cabíveis para minorar as consequências.
Atitude razoável
O relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização.
“Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro.
Para o relator, diante das ameaças sofridas, não seria razoável exigir do segurado outro comportamento, pois havia risco para ele e sua família.
“Não houve nenhum conluio entre os agentes ativo e passivo do episódio criminoso, tampouco vontade deliberada de fraudar o contrato de seguro ou de piorar os efeitos decorrentes do sinistro, em detrimento dos interesses da seguradora”, afirmou o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. ROUBO DO VEÍCULO. AVISO DE SINISTRO. COMUNICAÇÃO. ATRASO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. PERDA DO DIREITO. AFASTAMENTO. APLICAÇÃO NÃO AUTOMÁTICA DA PENA. ART. 771 DO CC. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. OMISSÃO JUSTIFICADA DO SEGURADO. AMEAÇAS DE MORTE DO CRIMINOSO. BOA-FÉ OBJETIVA. CONFIGURAÇÃO. RECUPERAÇÃO DO BEM. CONSEQUÊNCIAS DANOSAS À SEGURADORA. INEXISTÊNCIA.1. Cinge-se a controvérsia a saber se o atraso do segurado em comunicar o sinistro à seguradora, qual seja, o roubo de veículo, é causa de perda do direito à indenização securitária oriunda de contrato de seguro de automóvel, considerando os termos da norma inscrita no art. 771 do Código Civil (CC).2. O segurado não apenas deve informar à seguradora o sinistro ocorrido logo que o saiba, mas deve também tomar medidas razoáveis e imediatas que lhe estejam à disposição para atenuar as consequências danosas do evento, sob pena de perder o direito à indenização securitária. Assim, é ônus do segurado comunicar prontamente ao ente segurador a ocorrência do sinistro, já que possibilita a este tomar providências que possam amenizar os prejuízos da realização do risco bem como a sua propagação.3. A pena de perda do direito à indenização securitária inscrita no art. 771 do CC, ao fundamento de que o segurado não participou o sinistro ao segurador logo que teve ciência, deve ser interpretada de forma sistemática com as cláusulas gerais da função social do contrato e de probidade, lealdade e boa-fé previstas nos arts. 113, 421, 422 e 765 do CC, devendo a punição recair primordialmente em posturas de má-fé ou culpa grave, que lesionem legítimos interesses da seguradora.4. A sanção de perda da indenização securitária não incide de forma automática na hipótese de inexistir pronta notificação do sinistro, visto que deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, injustificada, que beire a má-fé, ou culpa grave, que prejudique, de forma desproporcional, a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências.5. Na hipótese dos autos, fatos relevantes impediram o segurado de promover a imediata comunicação de sinistro: temor real de represálias em razão de ameaças de morte feitas pelo criminoso quando da subtração do bem à mão armada no interior da residência da própria vítima. Assim, não poderia ser exigido comportamento diverso, que poderia lhe causar efeitos lesivos ou a outrem, o que afasta a aplicação da drástica pena de perda do direito à indenização, especialmente considerando a presença da boa-fé objetiva, princípio-chave que permeia todas as relações contratuais, incluídas as de natureza securitária.6. É imperioso o pagamento da indenização securitária, haja vista a dinâmica dos fatos ocorridos durante e após o sinistro e a interpretação sistemática que deve ser dada ao art. 771 do CC, ressaltando-se que não houve nenhum conluio entre os agentes ativo e passivo do episódio criminoso, tampouco vontade deliberada de fraudar o contrato de seguro ou de piorar os efeitos decorrentes do sinistro, em detrimento dos interesses da seguradora. Longe disso, visto que o salvado foi recuperado, inexistindo consequências negativas à seguradora com o ato omissivo de entrega tardia do aviso de sinistro.7. Recurso especial não provido.
Leia o voto do relator.