Condição financeira de um cônjuge não impede benefício da gratuidade de justiça para o outro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a condição financeira do cônjuge não impede, necessariamente, o deferimento do benefício da gratuidade de justiça, sendo necessário verificar se a parte que o requer preenche os pressupostos específicos para a sua concessão. Para o colegiado, tal direito tem natureza personalíssima.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou o benefício a uma requerente, sob a justificativa de que seu cônjuge ostentaria padrão financeiro suficiente para arcar com as despesas processuais, sem prejuízo do sustento da família.

Nas alegações recursais, a parte sustentou ser mãe de três filhos, não exercer atividade remunerada nem possuir conta bancária de sua titularidade, sendo, dessa forma, hipossuficiente.

Regime do casamento pode influenciar, ou não, na análise do benefício

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que tanto a Lei 1.060/1950 – a qual estabelece normas para a concessão de gratuidade aos necessitados – quanto o artigo 99, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelecem que o direito ao benefício tem natureza personalíssima, de modo que os pressupostos legais para sua concessão deverão ser preenchidos, em regra, por quem o pleiteou.

A magistrada ressaltou que, em algumas situações, a condição financeira do cônjuge pode influir na decisão sobre deferimento ou indeferimento do benefício, em razão do regime matrimonial de bens e do dever de mútua assistência previsto no Código Civil (artigo 1.566, III), mas essas situações devem ser analisadas caso a caso.

Mesmo quando se verifica um forte vínculo entre a situação financeira dos dois cônjuges, isso não significa que o benefício requerido por um deles deva ser examinado à luz da condição econômica do outro, explicou.

Segundo a relatora, ainda que o regime de bens seja o da comunhão universal, a constatação de que o cônjuge pode bancar os custos do processo “nada mais representa do que a conclusão, por via transversa, de que a parte, em razão da mancomunhão, possui, ela própria, condições de arcar com as mencionadas verbas, o que afasta o deferimento do benefício”.

Da mesma forma – continuou a magistrada –, caso se avalie que a parte pode arcar com os custos do processo, pois seu cônjuge é capaz de sustentar a família, isso significa que a própria parte preenche os pressupostos para o deferimento da gratuidade.

Despesas do processo são obrigação da parte, não de seu cônjuge

Já no caso de pessoas casadas em regime de separação de bens, se uma delas não tem patrimônio nem renda para suportar as despesas processuais, a situação financeira da outra não deve influenciar, em princípio, na análise sobre a concessão do benefício. “O que deve ficar claro é que a obrigação de arcar com os custos do processo é da própria parte, e não de seu cônjuge, sujeito estranho à relação jurídica processual”, afirmou a ministra.

Quanto ao processo analisado, Nancy Andrighi lembrou que o TJSP consignou em seu acórdão que, além de o marido da requerente da gratuidade ter rendimentos suficientes para o pagamento das custas processuais, ela própria também teria recursos, sendo, inclusive, coproprietária de imóvel – fundamento que não foi impugnado no recurso especial.

No entender da ministra, o tribunal de origem se manifestou especificamente sobre a condição financeira da própria recorrente, concluindo que ela não teve êxito em demonstrar a alegada hipossuficiência financeira. Como o reexame de provas não é admitido pela Súmula 7 do STJ, o recurso não foi conhecido.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA JURÍDICA PERSONALÍSSIMA. PRESSUPOSTOS DEVEM SER PREENCHIDOS PELA PARTE REQUERENTE. CONDIÇÃO FINANCEIRA DO CÔNJUGE. INDIFERENÇA.
1. Recurso especial interposto em 29⁄7⁄2021 e concluso ao gabinete em 26⁄04⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em dizer se o fato de o cônjuge da parte requerente possuir condições financeiras de arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, obsta, por si só e necessariamente, o deferimento do pedido de gratuidade da justiça.
3. Extrai-se da natureza personalíssima do direito à gratuidade a conclusão de que os pressupostos legais para a sua concessão deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte que o requer.
4. Na hipótese em que o pedido de gratuidade da justiça é realizado por um dos cônjuges, poderá haver um forte vínculo entre a situação financeira dos consortes, sobretudo em razão do regime matrimonial de bens e o dever de mútua assistência previsto no inciso III do art. 1.566 do CC, o que não significa dizer, todavia, que se deva, automática e isoladamente, examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus um dos cônjuges à luz da situação financeira do outro.
5. A condição financeira do cônjuge não obsta, por si só e necessariamente, o deferimento dos benefícios da gratuidade da justiça, sendo necessário verificar se a própria parte que o requer preenche os pressupostos específicos para a sua concessão.
6. Na hipótese dos autos, a parte recorrente deixou de impugnar fundamento do acórdão recorrido apto a manter a conclusão do aresto impugnado, o que atrai a incidência do enunciado da Súmula 283 do STF.
7. Derruir a conclusão a que chegou a Corte de origem no sentido de que a recorrente possuiria significativo patrimônio, podendo arcar com os custos do processo, demandaria o reexame de fatos e provas o que é vedado pelo enunciado da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
8. Recurso especial não conhecido.

Leia o acordão no REsp 1.998.486.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1998486

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